Vivemos tempos difíceis neste mundo global, de algum desapontamento na humanidade e desencanto no valor humano. Assistimos a uma distância relativa a algumas atrocidades e desumanidades que acontecem por esse mundo fora, umas mais longe e de maior magnitude, outras mais perto, e algumas na porta ao lado. Como ouvi um dia o meu mentor, o Dr. Francisco Allen Gomes, dizer, “A história da humanidade é uma história de sofrimento”. Ainda assim, e apesar de tanto desamor e falta de alteridade, ou seja, a intolerância e desconsideração pela diferença do outro, continuamos a pedir, mais que desejar, arrisco-me a dizer, o amor na nossa vida.
Esta época do ano é propícia a balanços finais e listas de desejos para o novo ano. Invariavelmente o amor surge nessa lista e a realização amorosa é um desejo que se renova todos os anos. Nessa lista, o amor e a saúde, são habitualmente os mais nomeados. Não será assim para todos mas, para muitos de nós são desejos fundamentais. Assim, engolimos as uvas acompanhadas dos respectivos pensamentos, e lá vão desfilando os pedidos, dos mais concretos aos mais subjectivos, passando pela realização profissional, um contracto de trabalho decente, o dinheiro, as coisas materiais com que nos vamos iludindo, a saúde, a alegria, o sexo e por aí fora, e mais cedo ou mais tarde, a uva-passa correspondente ao desejo de amor. Queremos amor, queremos mais amor ou um amor melhor, amor do bom, uma nova relação, a manutenção da que já temos, ou até o desejo de ruptura duma que já não se quer, para que se possa fazer espaço para uma nova. Pedimos o amor, mas é o amor romântico a que nos referimos, ou seja, uma relação amorosa, não é o amor num sentido mais amplo como o amor ao próximo ou o amor que nos une a todos, numa visão mais espiritual, se quisermos.
Nunca a realização amorosa foi tão valorizada como é agora. O amor parece ser o tesouro mais procurado, mas difícil de encontrar, apesar de tantos mapas disponíveis e modernos instrumentos de navegação. Pensemos em quantas vezes já pedimos o amor em todas as noites de fim de ano no momento de comer as 12 uvas-passa. Por se tratar de tão nobre e comum desejo que se renova em cada novo ano, surge-me uma pergunta que acho merecer reflexão. Existem diversos contextos para formular este desejo. Podem ser aqueles que já têm uma relação mas que não estão satisfeitas, por não se sentirem amados, pela existência de conflitos, ou por uma imensidade de razões diferentes, ou pode ser quem não tendo uma relação a quer ter.
A pergunta que aqui deixo é a seguinte: Estarei a fazer tudo o que posso para conseguir esse amor que estou a pedir? Que estou eu disposto a fazer para obter esse amor ou essa relação amorosa? O que ponho eu de mim nesse empreendimento? Estarei a fazer mesmo tudo o que está ao meu alcance, ou estou passivo e à espera? À espera que passe essa fase, à espera que as coisas mudem, que o tempo ajude, que os ventos estejam de feição, uma espera passiva e resignada que vai esvaziando a pessoa. Se não tenho nenhuma relação e quero ter, que faço eu para melhor conseguir encontrar e construir essa relação que ambiciono? Estou verdadeiramente disponível? Ou estou cheio de medo? Medo de me entregar, de me deixar ir, medo de me desiludir, medo de tentar outra vez, medo de ser rejeitado, ou abandonado ou não correspondido. Se assim for, emanamos sinais desta indisponibilidade que são captados pela outra pessoa, o potencial parceiro, e a coisa não acontece.
Que posso eu fazer para melhorar a minha vida amorosa? Que contributo posso dar para obter ou intensificar esse amor que estou a pedir ao mesmo tempo que engulo a uva? Como posso investir mais no sentido de manter ou melhorar a relação? O que é que está do meu lado? Abrir-me mais ao outro, pôr mais de mim, mais entrega, mais confiança, mais expressão das minhas necessidades e dos meus interesses, revelar-me mais, melhor comunicação, mais demonstração dos meus sentimentos? Que estou eu a fazer?
Em jeito de balanço de final de ano e preparação de mais um que se avizinha, deixo aqui dois desejos no plano amoroso para 2017 e que acredito serem para o resto da vida: 1) Mais expressão, e 2) Mais alteridade. Desejo que sejamos mais capazes de uma melhor expressão dos afectos, das nossas necessidades, desejos e sensações com os outros significativos na nossa vida, mas também com os menos significativos. Pode ser o vizinho, um desconhecido na rua ou noutro lugar qualquer a quem expresso um agradecimento, ou um gesto delicado e cuidadoso como um sorriso, por exemplo. A alteridade é a capacidade de respeitarmos a diferença da outra pessoa, e acredito que o mundo precisa desesperadamente deste cuidado pelo outro. Na nossa relação amorosa, o cuidado com a outra pessoa, ter o outro em conta, sentir e demonstrar empatia pelas suas necessidades e vivências. De novo não só com o nosso companheiro mas com todas as pessoas mais ou menos significativas e importantes na nossa vida, com os que estão próximo, à nossa volta, mas também com os que estão longe e nunca conheceremos. Que 2017 seja mais amoroso para todos.