Quero fazer-te uma pergunta.
– Alguma vez mentiste?
Pensa.
O que me respondeste?
É que só existe uma resposta possível. Se me vais dizer que nunca mentiste, parabéns! Acabaste de contar a tua “primeira” mentira.
Quando eu era pequenina, a minha mãe costumava ler-me um livro, “A mentira tem perna curta”. Tinha uma capa colorida, cheia de monstrinhos com pernas propositadamente desproporcionais ao tamanho do corpo. Era uma das minhas histórias preferidas. Adorava ouvir sobre aquelas criaturas engraçadas, que devido ao comprimento das suas perninhas, nunca conseguiam correr mais depressa do que a verdade. A minha mãe estava determinada a que eu parasse de mentir, de dizer que comi a sopa toda, que não tinha escondido os brinquedos do meu irmão só por inveja, ou que a professora se tinha zangado comigo sem razão. O objetivo do livro era ensinar-me, de que iria sempre ser apanhada mais cedo ou mais tarde na minha deceção.
Esta crónica vai contradizer essa lição, na medida em que também fui ensinada a pensar a cores e não apenas a preto e branco.
O homem mente por tudo e por nada. Mente porque é fácil e resulta. Porque por vezes é melhor mentir e evitar uma situação constrangedora do que ser honesto. Porque é melhor mentir do que desagradar alguém. A verdade nem sempre é a melhor opção e há situações em que mentir é mesmo a única opção.
À medida que vou crescendo, tenho observado que as pernas das minhas mentiras crescem também. Com a maturidade, mentir torna-se mais fácil. Esconder as nossas emoções verdadeiras e deixar a nossa imaginação voar, torna-se num mecanismo de defesa quando as coisas não correm como queremos. As crianças mentem muito mas são facilmente apanhadas, lá está, as pernas deles ainda não cresceram. Mas os adolescentes, esses não mentem menos… Mas são muito mais difíceis de apanhar devido ao crescimento das pernas. Algumas mentiras dos adolescentes, já conseguem mesmo correr maratonas.
A maior parte dos pais acha e muito bem, que conhece os filhos melhor do eles mesmos, até. Ainda bem, pois é isso mesmo que nós queremos que pensem. Porque é a crença dos pais, num determinado tipo de comportamento por parte dos filhos que vai tornar as mentiras que cobrem atitudes discrepantes, credíveis.
Esta é uma idade perigosa, porque é a idade em que a mentira tem mais poder. Enquanto crianças ainda não sabemos muito bem em que situações podemos mentir e enquanto adultos é mais difícil pois há regras que se sobrepõem às nossas vontades.
Mas por agora, e enquanto podemos, as mentiras assim como os seus criadores dão um pulo no crescimento e estão entusiasmadas por invadir o mundo.
A mentira serve-nos para tudo. Para chegarmos mais tarde a casa, para justificarmos a má nota no teste, para culparmos o irmão, para não discutirmos com o amigo, para impressionarmos alguém, para não sermos chateados pelos pais, etc.
É uma maneira de evitar certas consequências ou situações menos agradáveis. Mentir parece então mesmo fácil.
Mas o principal talento de quem sabe mentir, não é saber mentir. Quem mente bem, é quem percebe quando é que não deve mentir, quando a meia-verdade é a salvação, quando tem de admitir a verdade e quando deve continuar a mentir até ao dia da sua morte!
Saber mentir, é mentir…sem ser um mentiroso.
É uma arte, é transformar a nossa imaginação, aos olhos dos outros, numa verdade. É criar uma rede tão complexa de pormenores que a realidade escondida acaba por desaparecer, por falta de vida. Saber mentir é contar uma história inventada, como se fosse uma recordação. É persuadir, é representar. É ser um grande ator.
Devem estar a pensar que estou a incentivar a mentira… e estou. Esses monstrinhos que tanto são julgados e crucificados, fazem parte de nós. Porque mentimos? Porque é humano fazê-lo. Como é humano odiar e amar. Desprezar e adorar. É inevitável. Honestidade total é retirar um pedaço importante de nós. Aquele que num jogo de cartas se deixa revigorar pela adrenalina do bluff. Que salva sentimentos, reforça relações, mantém posições e por vezes, salva vidas. Que beneficia o próprio e os outros.
Ensinar ou incentivar os filhos a mentir, pode soar mal. E é complicado e difícil duvidar dos filhos, que queremos sempre julgar puros e honestos. Mas duvidem. Porque quanto mais nos questionarem e duvidarem, com devida razão, menos iremos mentir… e melhor o iremos fazer.
Saber mentir é uma arma poderosa, num mundo em que a verdade nem sempre é honesta.
Agora podiam-me perguntar, depois de um texto destes, se sou mentirosa. Claro que não!