Ver o telemóvel do “outro”: “Arte”, atitude, gesto, escolha, decisão… mais ou menos comum, mais ou menos discreta, mais ou menos assumida, com forte tendência à aceitação e generalização, como forma de saber o que devia ser conversado e questionado, não “espionado”.
Um destes dias, a pergunta surgiu-me: Mas de onde vem esta espécie de “onda de espionagem” a telemóveis que os casais de namorados, os casais casados, e os não casados, se fazem mutuamente? De onde vem isto, de saberem com quem estão, quem o outro é, e o que lhes anda a fazer, num aparelho de alguns centímetros por alguns centímetros, visualizando-o como uma autêntica “máquina da verdade”, reveladora do carácter, honestidade, veracidade, transparência, confiança, respeito pelo outro?
Outra vez. Propositadamente! De onde vem isto?
Como é que esta pequena “amostra” chamada telemóvel, consegue dar tantas voltas à cabeça de tanta gente, a ponto de se transformarem em verdadeiros “espiões profissionais”, acedendo, vez após vez, ao mesmo, na procura incessante de um email, sms, mensagem, “apps” comprometedoras, para finalmente terem a prova de que estão efetivamente com a “pessoa errada”, de que escolheram mal, de que jamais deveriam ter se “metido” com essa pessoa, de que a culpa é toda sua, de que, de que, de que….
Será que antes de o descobrirem, não o tinham já descoberto? Será que é mesmo preciso vestir o “fato de espião” e sentir o coração freneticamente aos pulos, tentando “pesquisar” algo de especial enquanto ele dorme ou ela vai á casa de banho? Porque é que muitas pessoas sentem essa necessidade durante algum tempo, muito tempo ou toda uma vida? O que as motiva? O que as leva a fazê-lo?
Curiosidade, “fantasmas”, medos, receios, desconfiança, insegurança, dependência, experiências passadas marcantes, dificuldade em confiar em si próprio e no outro, culpa, necessidade de controle, medo de abandono, medo de ser trocado, temor de rejeição, busca de “um algo” para acabar com a relação?
São tantas as razões que conduzem a aceitar o papel de “espião”, nestas “curtas” ou “longas metragens” que são o filme da vida de tantas pessoas. Especialmente as experiências marcantes. O “já me aconteceu”, o “foi igual e fui o último a saber”, conduzem a uma busca incessante, a um tormento constante do anteriormente sentido se repetir.
E é tão grande o desgaste psicológico e emocional destas “incursões”. Meses, por vezes, anos de vida, na procura alucinante de conhecerem quem não conhecem, ou quem tão bem conhecem, mas é difícil aceitar que assim seja, preferindo, ainda assim, não conhecer, dar o beneficio da dúvida, dar o benefício da inocência do sms, o benefício da desculpa esfarrapada, da argumentação falida, da história mal contada, da repetição cheia de contradições…
Porquê?
Porque “desidealizar” e ver quem não conhecemos, conhecendo, dói ainda mais que todo esse infindável “jogo de brincar ao gato e ao rato”. Porque, enquanto esse jogo dura, dura, dura… a relação é (será que é?), e quando ele acaba, ela acaba. E, enquanto sorrateiramente se pega no telemóvel do outro e se lê as mensagens, acredita-se, e quando se decide deixar de as ler, porque deixou de fazer qualquer sentido, deixa de se acreditar.
Então, o estado de “suspensão” possibilitado pela leitura de uma ou mais mensagens, ou o ver de uma ou mais fotografias, sem qualquer conteúdo sexual, erótico, perverso, íntimo, sensual, indiciador de envolvimento, traz uma espécie de “paz interior”, e uma certeza de poder confiar, ainda que seja “um confiar não confiando”, com a duração de alguns minutos, horas ou dias.
Mas, muito para além de todas as razões, quem decide ver o que acontece no telemóvel da pessoa com quem dorme, não confia no dono desse mesmo telemóvel, e procura apenas uma resposta: será que posso confiar?
Então a pergunta é: Se é o telemóvel do seu namorado ou companheiro que lhe vai dizer se pode ou não confiar nele, e não ele próprio; Se é através dele que vai saber se pode estar nessa relação, se pode investir nela, se pode se entregar, se pode acreditar, qual o papel do seu namorado ou companheiro no meio de tudo isto?
Que relação de Amor é essa que precisa de estar sempre a ser “testada” por um “mecanismo exterior de confirmação de confiança”, e sobretudo, e antes de tudo, de respeito? Será que quer, e precisa mesmo, ser o “espião” da vida de quem gosta, para ter a certeza de que essa pessoa não o engana e gosta de si? Quanta energia despendida que podia focar em algo bem mais positivo, que o faça sentir e fazer-lhe bem, como cuidar de si?
E já agora, pense nisto: Se não confia, porque está com essa pessoa?
Existem tantas pessoas no mundo em quem pode confiar, e Amar, sem ter que ser “espião” ou “detetive em full ou part-time”. A vida é uma passagem demasiado deslumbrante para perder o seu tempo tentando conhecer as pessoas que escolheu para ter nela, por sms ou através de qualquer meio virtual. Conhece-as, olhos nos olhos. Pergunte o que tiver que perguntar. Converse. Discuta. Diga o que sente e o que não sente. Zangue-se, chore se sentir vontade. Mas não “pendure” a sua vida num telemóvel, nem a faça depender da chegada de um sms, email, fotografia, ou seja o que for …
Sim, as histórias podem repetir-se, mas só se não aprendemos com elas. Sim, podemos atrair e escolher pessoas semelhantes àquelas que nos magoaram no passado, mas é sempre momento de compreender porque as escolhemos, de dar “ meia volta” e mudar de caminho. Seja só você! Já é tanto! Liberte-se da máscara de “espião”, da “gabardine e dos óculos de detetive”.
Você não precisa de nada disso. O Amor não é nada disso! Não existe Amor sem confiança. Muito menos sem respeito. Tem recursos “ai dentro” para lidar com a dor de pedir a quem finge gostar de si para sair da sua vida. Se sentir que ainda não os conhece, peça ajuda. De que vale ter na sua vida alguém em quem não confia, que não está, que não existe para si, que trai a sua confiança e o desrespeita?
Cuidado, pode estar tão preocupado em ver se consegue ver o telemóvel da pessoa em quem é presumível confiar, que pode não se aperceber que uma relação saudável e de Amor verdadeiro e genuíno pressupõe não se lembrar sequer de o fazer…