Ainda me lembro do meu primeiro dia no liceu. Um aperto nervoso pesava-me no estômago, gotas de suor a formarem-se na testa, uma mistura de excitação e medo.
Foi há três anos, quando aquele ainda era um espaço novo cheio de pessoas desconhecidas. Naquele momento, parecíamos todos iguais. Um pouco perdidos, nervosos e ansiosos. Alguns já tinham o seu grupo formado, amigos que se reencontravam e que esperavam prolongar a sua amizade no liceu. Outros encontravam conforto na solidão da multidão, observando e questionando-se sobre quais das inúmeras caras novas, em breve se tornariam familiares.
As primeiras semanas passaram, turmas constituídas e horários fixos. O mesmo ambiente que foi a minha rotina durante todo o período do meu secundário começava-se novamente a formar. As pessoas integravam-se e caiam como peças de puzzle em lugares, que parecia terem-lhes sempre pertencido. Os corredores, antes marcados por personagens aleatórias, encontravam-se agora repletos de grupos cuidadosamente escolhidos.
“Cada pessoa pertence a uma tribo”. Eu e a minha mãe guardámos esta frase desde o primeiro momento em que ela nos apareceu, talvez pela maneira como sentimos que ela se encaixa tão bem no mundo e em nós. Talvez pela imagem que nos oferece, apoiando a existência de um instinto primitivo que nos guia em direção aos nossos, à nossa tribo, onde pertencemos. Observar esse fenómeno no liceu não é algo complicado.
Temos pequenos grupos, nem muito nem pouco distintos dos outros, são pessoas que se encontraram e criaram pequenos núcleos de amizade entre si. Estas tribos mais pequenas são aquelas que melhor comunicam com todos e mais facilmente se envolvem com outras tribos. O seu número reduzido é um facilitador a misturas.Temos depois aquelas tribos cuja natureza e filosofia de vida é simplesmente destacarem-se; os miúdos de skate e as miúdas de cap, os sociais de micro-car e cigarro na mão, as raparigas com tatuagens e os rapazes da ganza, os cabelos curtos em caras femininas, os dos intervalos em bibliotecas com o livro à frente… Temos as tribos geográficas, diferentes mundos, diferentes culturas a coexistir numa mesma realidade.
Tal como em todos os tempos da história da humanidade, a forte diversidade, por vezes, dá origem a uma das maiores angústias pelas quais o ser humano tem de passar: a discriminação.
Existente em atos tão simples mas tão cruéis e para quem está atento, tão presentes aqui, nesta idade, neste liceu.
Quem é que nunca julgou (aqui leia-se invejou!) o rapaz que já tem carro aos 16 anos de ser um puto mimado? Quem é que nunca julgou a rapariga que passa os intervalos a estudar, de ser uma totó? Quem é nunca julgou conhecer o caráter de uma pessoa pelo cheiro a ganza que emana? Quem é que nunca julgou aquela miúda que gosta de usar collants coloridos e flores no cabelo? Quem é que nunca julgou as duas figuras que se beijavam, por serem do mesmo sexo? Quem é que nunca julgou o miúdo que se sentava sozinho a ouvir música? Quem é que nunca julgou alguém por ter um peso pouco saudável? Quem é que nunca julgou um indivíduo tendo em conta a sua cor? Quem é que nunca julgou? É que eu já. Eu já julguei. Eu já discriminei. Eu também já errei.
Cada tribo é uma casa, uma família, uma fortaleza. A nossa tribo aceita-nos exatamente como somos e isso dá-nos um grande conforto. Mas também temos que pensar que acima de todos os grupos, nós todos somos uma só tribo. Uma tribo de humanos, de pessoas, e no nosso caso, apenas adolescentes. Uma tribo protege os seus, com lanças e pedras, com unhas e dentes, com tudo. A luta não é contra os outros, é contra nós, nós que somos fracos e discriminamos.
O liceu já acabou, agora vou para a faculdade. Vou conhecer pessoas novas, personalidades refrescantes e espaços diferentes. Sei que tudo se vai repetir, mas também sei que amadureci. E sabem que mais? Quero conhecer pessoas diferentes de mim. Quero que toda a gente seja bem-vinda na minha tribo.