É o que para aí mais há. Vou pegar num exemplo que é eventualmente injusto mas as fotografias que fiz no belo Museu Bordalo Pinheiro são irresistiveis. Haverá com certeza uma justificação, uma avaria temporária no sistema todo, uma alteração prevista que ainda não está feita, ou até podem ser novos sistemas ainda não ativados, perdoem-me então usar a imagem como caricatura de uma situação mais abrangente. Multimédia com fichas desligadas, ecrãs retirados porque de facto não vale a eletricidade que gasta.
Tenho a certeza que o próprio Bordalo não perderia a ocasião para, melhor do que eu, falar sobre o multimédia inútil. Não há museu, instituição pública ou privada que não tenha o seu projeto multimédia, porque sim, porque é preciso ter.
São sistemas caros, uns mais que outros, no caso até os móveis não foram baratos com certeza, belo desenho diga-se de passagem, e parecem de excelente qualidade. Depois há os computadores claro, e os conteúdos, não esquecer os conteúdos. É que na maior parte dos casos há uma empresa que anda aí umas semanas ou meses a trabalhar conteúdos exclusivos para aquelas máquinas que nunca poderão ser vistos noutro local, apesar da Internet, e que a bem dizer também não serão muito vistos no local para onde foram feitos.
A maior parte dos que vi são francamente maus. É mau o desenho, é mau o conteúdo e mau o suporte. Não sei bem porquê o suporte favorito são estes pedestais com ecrã táctil que, se tivessem uma ranhura por baixo, seriam mesmo bons para tirar senhas de espera. Depois o formato favorito é a timeline, a deliciosa linha do tempo, mas desenhada de forma a esconder o que lá se passa. Pretende-se dar um determinado contexto histórico, então coloca-se no ecrã uma linha com datas, cabe ao estimado visitante ficar de pé e ir clicando em cada número para descobrir um belo parágrafo correspondente àquele número com figura ilustrativa. Exemplo clássico – linha 1890, 1900, 1910, – visitante carrega ao calhas em 1910 e lá estará , a 5 de Outubro Instauração da República Portuguesa com mais alguns detalhes e uma figura da senhora que a representa, está cumprido o objetivo pedagógico do programa multimédia. Não estou a inventar, estas coisas existem noutros museus portugueses que muito se orgulham delas. Confesse lá o leitor quantas vezes ficou verdadeiramente entretido a aprender alguma coisa num destes sistemas?
Há exceções, poucas é verdade, mas honrosas. Assim de repente lembro-me de ser recebido pelo anfitrião de um dos palácios de Sintra, imagem de tamanho quase natural num ecrã a ambientar o visitante com diálogo interativo e tudo. É que não convém fazer estas coisas só porque sim, ou talvez porque a atribuição de fundos comunitários exija que uma parte seja gasta em coisas digitais.
E não é só por cá. Em viagem vi com frequência coisas caríssimas que não funcionam. Lembro-me do Museu Chopin em Varsóvia, cheio de boas e de más ideias, um misto curioso, mas muitas não funcionavam de todo, estavam mesmo avariadas e sem aviso, entre e descubra se funciona. Era preciso alguma teimosia para descobrir as boas ideias que ainda por cima faziam o favor de se mostrar.
Ainda me lembro do que era o Museum of the Moving Image de Londres em 1992, ainda a palavra multimédia não estava na moda. Os miúdos entravam e podiam gravar entrevistas com celebridades, que depois podiam ver em cassetes, o museu era em si um exercício de interatividade e pedagogia. Claro que isto não se aplica a todos os temas, mas porque é que havia de se aplicar? Temos todos os formatos à disposição. Basta escolher os que se adequem aos temas e ao público. A mesmisse é que não funciona.
Estes belos pedestais em metal escovado, se fossem desenhos em papel de jornal, bem poderiam ser uma sátira de um moderno Bordalo, que deixaria os fios desligados, os ecrãs ausentes, como critica aos despesismos inúteis ou mal direcionados destas coisas modernas do multimédia.
P.S. – Já agora o Museu inclui neste momento a exposição temporária e gratuita “Diálogos Imaginados, Rafael Bordalo Pinheiro e Paula Rego” interessantíssima e não mencionada no site. No local também ninguém lhes dirá que basta atravessar o Campo Grande e, mesmo em frente, se pode ver o fantástico jardim do Museu da Cidade com a homenagem de Joana Vasconcelos também a Bordalo Pinheiro, uma verdadeira surpresa igualmente gratuita e que garantidamente fará as delícias tanto dos adultos como até das crianças que os acompanhem.