O mínimo que se pode dizer é que foi um parto difícil. Foi uma grande mudança, uma verdadeira revolução tributária. Eu sei que o que realmente importa para os contribuintes (os leitores) em relação ao IRS é se vão pagar ou receber. E, de preferência, pagar o menos possível ou receber de reembolso o valor mais alto que conseguirem. Mas é preciso ter alguns cuidados, como vamos ver mais à frente.
A parte positiva de todas as falhas e confusões que surgiram ao longo dos últimos meses é que os leigos (à excepção dos profissionais da área) finalmente começaram a perceber como funciona o imposto e as deduções a que temos direito. Eu aprendi imenso.
Mas, para além de percebermos como rentabilizar ao máximo as nossas despesas, há coisas que são muito importantes reconhecer. Primeiro, foi dado um passo de gigante na luta contra a fraude e evasão fiscais. Com o famoso sorteio do carro (a “Fatura da Sorte”) – concorde-se ou não – centenas de milhares de contribuintes começaram a pedir fatura. Graças a isso, na próxima crise orçamental talvez o aumento de impostos seja um pouco menor porque mais empresas (grandes e pequenas) pagam o que devem.
Em segundo lugar, passamos a ter na nossa mão o acompanhamento da informação que a Autoridade Tributária (AT) tem sobre nós. Se percebo que já estou a atingir o limite numa determinada dedução posso ver se uma despesa me pode beneficiar mais noutra e altero.
Deu também para perceber que ao longo dos últimos anos houve um enorme “abuso” nas deduções por parte de muitos contribuintes. E este “abuso” coloco-o com aspas porque não acredito que seja intencional por grande parte dos cidadãos. É que por ano, a AT consegue fiscalizar cerca de 100 mil contribuintes, muitos deles de forma completamente aleatória. Há despesas que nunca foram dedutíveis e que acabavam declaradas no IRS porque nunca ninguém disse que estavam mal. E esses erros repetiam-se ano após ano porque “se foi aceite no ano passado é porque entra…”
Com este sistema, agora a coisa fia mais fino. O sistema informático filtra muitas dessas situações. Recordo aqui o caso de um contribuinte que se queixou no Facebook do “Contas-poupança” www.facebook.com/contaspoupanca (quartas-feiras, Jornal da Noite, na SIC) que tentava meter as faturas das janelas novas da casa em “Lares” e não conseguia. Para quem não sabe, “Lares” é Lares de terceira idade. Se a entrega fosse em papel, receberia essa dedução caso não fosse fiscalizada.
Portanto, antes de se queixar que as finanças estão a errar, verifique primeiro se a despesa que está a registar é dedutível e se pertence à categoria correta. Se não entrou, pode ser porque não deve mesmo entrar…
Para além disso, como é tudo feito através do Portal das Finanças, a AT consegue sistemas de “ALERTA” informáticos que permitem uma malha mais fina para apanhar fraudes e abusos.
Por exemplo, antes qualquer pessoa podia colocar no IRS despesas inventadas e esperar que não fosse chamado para uma inspecção. E não era preciso muita “sorte” para isso acontecer. Agora, com a obrigatoriedade de colocação do NIF é muito mais difícil colocar despesas feitas por outras pessoas ou simplesmente inexistentes.
Atenção a um pormenor: pode haver pessoas com a tentação de colocar despesas em categorias que não correspondem à realidade, porque o e-fatura permite fazer isso. Por exemplo, as despesas em hipermercados podem ser colocados em qualquer categoria, porque a AT não adivinha se o que comprou é um frango assado, um livro escolar ou uma Aspirina. Por isso, o e-fatura pergunta-lhe e confia na sua resposta.
A AT confia na seriedade dos contribuintes. A lei de protecção de dados pessoais impede que a AT saiba qual é o conteúdo de cada compra. Só tem acesso ao valor da transação e do respectivo IVA. Mas em caso de inspecção, a AT tem poderes legais para pedir à empresa as faturas originais onde está tudo discriminado.
Tenha em atenção outro detalhe. Muitos contribuintes, como os valores não apareciam no e-fatura (de educação e saúde, sobretudo) inseriram essas despesas manualmente e agora, como foram comunicados em fevereiro pelas instituições, aparecem em duplicado na página de deduções do IRS que vai dar origem ao pré-preenchimento do Modelo 3 do IRS. Vai ter de retirar esse valor duplicado, senão estará a submeter despesas não documentadas.
Já sabe que, este ano, caso queira ignorar todos estes pormenores ainda pode entregar à moda antiga. Soma as faturas todas e apaga os valores que lá vão aparecer pré-preenchidos e põe o que achar correto, à sua responsabilidade. Mas lembre-se que para o ano (este que está a decorrer) já vai ser com estas regras novas (a menos que o governo decida mudar tudo).
Posto isto, bom IRS.