Para a maior parte das pessoas, o primeiro contacto com um medicamento realiza-se ao balcão de uma farmácia: pede-se o que se necessita, recebe-se a respetiva embalagem, toma-se o medicamento e espera-se que o problema se solucione.
A rotineira relação com os medicamentos parece ser natural e quase se acredita que os medicamentos vêm de uma qualquer fábrica, semelhante à que faz sapatos ou computadores, em que a maior parte do processo – do desenho à conceção – é local.
Nada mais afastado da realidade.
De facto, o processo de investigação e desenvolvimento de um fármaco inicia-se em computadores, com modelos moleculares informáticos, em que as moléculas são selecionadas na base das suas propriedades farmacológicas para um alvo terapêutico novo. É a fase da DESCOBERTA, que demora entre 2-5 anos e estuda de centenas a milhares de moléculas, das quais apenas menos de uma em cinco é candidata potencial à fase seguinte.
Segue-se a FASE PRÉ-CLÍNICA. Aqui são efetuados estudos em modelos animais, procurando acima de tudo determinar a toxicidade e características biológicas da molécula sob estudo. Esta fase dura entre 1,5 e 2 anos e testa em média escassas dezenas de compostos (cuja maioria é eliminada).
A FASE seguinte é CLÍNICA tem 4 estádios individuais com uma duração de 5-7 anos, embora por vezes se possam sobrepor no tempo.
- FASE 1. Um pequeno grupo de voluntários saudáveis (20-100 pessoas) é contratado para administração do fármaco sob estudo para deteção de potencial toxicidade (por exemplo para o fígado), tolerabilidade (o fármaco produz efeitos desagradáveis, por ex. náuseas, vómitos?) e certas características biológicas e farmacológicas da molécula (chamadas de farmacodinâmicas). Nesta fase pode-se ainda testar aquilo que se chama a “prova de conceito”: por exemplo, um novo analgésico conseguir bloquear uma dor provocada experimentalmente e analisar se há variações do efeito com dosagens diferentes.
- FASE 2. Nesta fase já são estudados 100-300 doentes com a doença para a qual se está a desenvolver o medicamento para determinação também da sua segurança, mas principalmente para analisar as características farmacodinâmicas do fármaco (já que a doença as pode alterar em relação ao paciente saudável), assim como da sua eficácia preliminar neste grupo.
- FASE 3. Esta fase é a dos grandes ensaios clínicos, com centenas ou milhares de doentes selecionados por terem a doença em causa, em múltiplos centros clínicos. Dura entre 1-5 anos e já só estuda a molécula que passou todas as fases anteriores. São estudos muito dispendiosos, que servem de base à autorização de introdução no mercado do medicamento, isto é, para a sua disponibilização para os doentes que dele necessitem em condições de rotina. Muitas vezes um fármaco que parecia muito eficaz numa fase 2 apresenta efeitos muito mais modestos na fase 3, impedindo a sua aprovação pelas autoridades. Estes estudos têm de ser conduzidos com um respeito escrupuloso por regras muito restritivas de boas práticas clínicas, cobrindo todos os detalhes de recolha de dados, monitorizações, etc.
- FASE 4. É a chamada farmacovigilância, que monitoriza e recebe informação sobre os efeitos adversos raros ou que se manifestam tardiamente nos doentes que estão a tomar os medicamentos aprovados na fase 3.
Todo este caminho é justificado pela enorme cautela que os investigadores colocam nos estudos, de maneira a evitar ao máximo reações adversas graves. Mas nunca será possível eliminar com certeza absoluta um problema deste tipo, já que há sempre reações inesperadas à luz do que se apurou nas fases iniciais. Num caso de 2006, oito voluntários saudáveis foram incluídos num ensaio fase 1 de um medicamento biológico que estava a ser estudado para tratamento do cancro e de certas doenças reumáticas. A sua administração em doses mínimas iniciais provocou em todos eles reações graves, necessitando de internamento hospitalar. O medicamento tinha sido testado em animais, com doses 500 vezes superiores às que foram dadas aos pacientes, sem registo de qualquer problema. Todos os voluntários recuperaram, mas alguns ficaram com problemas residuais.
Estes efeitos dramáticos são raríssimos e não conhecemos mais do que 2 ou 3 casos reportados de entre as dezenas de milhares de estudos fase 1 realizados até hoje, demonstrando assim a segurança desta metodologia de investigação. Isto não deverá nunca fazer com que os investigadores sejam menos cuidadosos, já que mais importante que definir o benefício nesta fase é garantir a segurança dos pacientes, os verdadeiros heróis da investigação clínica.