Autobiografia Não Autorizada
Campos pintados, quem vos pintou?
Cancro é um cancro. O estrondo de um meteoro que não esmaga, mas cava o mundo em volta
Foto #9: A trôpega velhinha
Por mais prolongadas que fossem as estadas de um e de outro, estávamos sempre em trânsito. Desta vez tínhamos outro plano
Uma parede a meio da adolescência
Tinha conseguido comprar o single Call me dos Blondie com dinheiro poupado aos lanches do liceu e passava tardes inteiras a fingir que sabia cantar em inglês
Um enigma chamado Elisa
Soube que a Elisa também tinha vindo de Angola sem nada. Estava alojada num hotel do Estoril e recebera uma senha para a distribuição de roupas
Conheço o amor de ouvir falar
Cheguei ao fim do Do fundo do coração rendida à sua beleza. E, no entanto... que visão tão machista do amor! Nunca amei ninguém assim, nunca ninguém me amou assim, não quero esse amor
Trinta mil anos de amor
As pessoas compraram-nos, assim podiam sair à rua para passeá-los, quando os confinamentos terminaram, viram-se livres deles rapidamente
What happened to Gaby? ou Como saímos daqui sem nos magoarmos?
A Gaby era boa aluna e a inteligência não é como a beleza que o tempo vai estragando até não sobrar mais do que um corpo irreconhecível afundado num sofá
Como é que se diz?
A imaginação também serve para inventarmos o que vivemos sem a memória a consolidar-nos
Vidas paralelas
O teu problema é conheceres bem demais o que não queres e não teres ideia daquilo que verdadeiramente te pode interessar
Uma cave com vista
Quando lhe bati à porta na manhã seguinte, recebeu-me em roupão e com o pouco cabelo desalinhado, Nada te ajudará mais do que os livros
Parvoíces, dias felizes e veneno
As minhas parvoíces vêm de sítios inexplicáveis onde suspeito que parte de mim está prisioneira. Estimo-as mais do que as coisas importantes em que devia pensar
EN247
Estou a plantar um jardim do outro lado da serra. Um jardim em redor da casa velha para onde me mudarei quando tiver conseguido tratar dela
Manchas
Muito cedo na minha vida, aceitei-me desengrenada da sociedade. Cresci, então, falhando desavergonhadamente
A ficção é uma fábrica de realidades – II
Fui ocupar um lugar no fundo do salão, numa das mesas que tinham menos gente. Boa noite, boa noite, cumprimentos e frases de circunstância num ricochete lasso
A ficção é uma fábrica de realidades - I
Quando digo, A ficção é uma fábrica de realidades, o não-dito é, Essas realidades podem ser não só extremamente reais, como extremamente poderosas
O avesso do avesso
Era agora tão óbvio como nos habituáramos a usar o presente do avesso. Talvez o corte de eletricidade nos revirasse o futuro
Só existe um problema filosófico verdadeiramente importante
Aqui em casa, todos adorámos a Lulu. Alegre e veloz, dava saltos que a desengonçavam. Meiga e inteligente, fazia quase tudo o que lhe pedíamos
A vendedora de livros
Mais uma rabanada de vento e a voz da prima Conceição acertou-me em cheio, Oh mulher, andou a tua filha a tirar um curso de advogada para estar agora aqui a vender livros!
Rastilho
O planeta atingiu o recorde das temperaturas máximas desde que delas existe registo. Continuamos eternos meninos a brincar com o fogo
Tudo está bem…
A minha irmã arranja-se mais do que eu, pinta-se, aboneca-se. Às vezes confundem-nos, chegam a julgar que somos gémeas
Antes do anoitecer, na vida real
Estava a participar numa conferência em que se debatia a reparação dos males do Império, Devíamos pedir desculpa aos povos que colonizámos?