Por motivos manifestamente desinteressantes não fui a tempo de também eu dar uma paulada imediata a Ricardo Robles e ao Bloco de Esquerda (BE) a propósito do interessantíssimo exercício de especulação imobiliária protagonizado pelo então espetacular vereador bloquista, entretanto convertido num valor seguro da especulação imobiliária.
Não é que dar pauladas em Robles e no Bloco me provoque especial prazer, mas o caso em concreto, pelo que diz sobre Robles e sobre o BE, merece ser revisitado. Robles é um engenheiro de olhos azuis que um dia decidiu ser autarca montado num discurso de nojo em relação ao dinheiro, aos capitalistas que promovem a especulação imobiliária e aos hereges que dedicam o seu tempo a imolar o “espírito” dos bairros populares lisboetas. O discurso de ódio deu resultados: as públicas virtudes de Robles valeram-lhe um lugar de destaque na vereação camarária, palco a partir de onde prosseguiu com a cruzada anti-burguesa. A aventura épica terminou no dia em que o Jornal Económico revelou o guilty pleasure do jovem bloquista.
Não me entendam mal: todos temos direito aos nossos pecadilhos e os militantes do Bloco não são exceção. Mas assim como um padre que apregoa as virtudes da castidade não pode esbanjar as esmolas dos fiéis em bordéis de luxo, também um político eleito por, entre outras coisas, protagonizar uma cruzada pública contra os especuladores imobiliários, não pode ser um deles na sua vida privada.
Tão grave como o desvario de Robles foi o apoio que recebeu de Catarina Martins. Ao apoiar o amigo, Catarina foi fútil na forma e vazia no conteúdo, o que só pode admirar quem desconhece a história do BE. Desde a sua fundação que o Bloco é um partido essencialmente panfletário, que vive muito mais da exclamação pública do que da reflexão privada, o que até se compreende, tendo em conta que os seus fundadores (Francisco Louçã, Miguel Portas, Fernando Rosas e Luís Fazenda) tinham um historial de pancadaria mútua precisamente porque apregoavam visões diferentes, antagónicas até, do marxismo.
Num passado não muito distante, o quarteto de radicais (porque é de radicais que falamos) tinha-se, passe a redundância, radicalmente insultado e agredido. Não discutir ideias foi, pois, um factor crítico para o sucesso inicial do Bloco. E hoje, já sem os fundadores por perto (resta Fazenda, que aproveitou o caso para dar prova de vida numa entrevista ao i em que deu o último empurrão a Robles em direção à desgraça), o vazio ideológico não só se mantém como foi reforçado com as injeções cavalares de pragmatismo que lhe permitem sonhar com uma eventual entrada num governo liderado por António Costa.
Soa, por isso, um pouco estranho que nas centenas de análises escritas e faladas sobre Robles e Catarina, tenha sido tantas vezes invocado o facto de este caso ter exposto a falência da alegada “superioridade moral” do partido, um conceito essencialmente ideológico associado à esquerda comunista. Ora, tendo em conta que há zero de ideologia no BE, analisar este “incidente”, vamos chamar-lhe assim, à luz da ideologia é dar-lhe uma nobreza que ele manifestamente não possui. O que aconteceu foi que o Bloco, à imagem do que aconteceu com Dorian Gray no conhecido romance de Oscar Wilde, se apaixonou por si próprio e pelo caminho vendeu a alma ao diabo. Durante muito tempo conseguiu, com visível sucesso, disfarçar os seus “desvios burgueses”, obtendo resultados eleitorais muito razoáveis. Até que esta semana o seu retrato secretamente conspurcado foi finalmente revelado – e aquilo que o país inteiro viu não é agradável. Dorian Gray acabou, como é sabido, por se suicidar, incapaz de conviver com a sua imagem refletida no espelho. A pergunta que fica para o futuro é se o Bloco acaba ou não de fazer o mesmo.