Durante dois anos e meio, escrevi, para a Visão online, 144 crónicas. Em média, foi mais de uma crónica por semana e, no total, muito mais do que alguma vez imaginei. A proposta veio do Paulo Chitas e foi, na altura, acarinhada pelo Pedro Camacho, que dirigia a revista. Os directores seguintes, João Garcia e Mafalda Anjos, «reconduziram-me» gentilmente no cargo e sempre fui tratado como membro da família. A prova disso é que recebi vários comentários às crónicas oriundos de pessoas que pensavam que eu era jornalista da casa. Por tudo isto, estou profundamente orgulhoso e agradecido.
Esta experiência deu-me o enorme privilégio de poder partilhar as minhas ideias com um público mais lato. De facto, sou, há muitos anos, um escritor que não publica. Tenho, ultimamente, editado livros que ofereço aos amigos e aos conhecidos, mas que não têm distribuição nas livrarias. Não interessa agora discutir por que razão sou assim. Mas o certo é que, há cerca de 10 anos, publiquei um livro que esteve à venda nas livrarias. Não houve lançamento, não houve promoção nenhuma. Um dia, vi-o na FNAC e, em vez de sentir orgulho, senti-me despido. Senti que o meu eu mais profundo estava ali em exposição, disponível para quem quisesse bisbilhotar. Não voltei a repetir a experiência, embora tenha acabado, algo recentemente, por decidir ter alguns dos meus livros disponíveis no meu site.
O Julio Cortázar deu um curso de literatura, em 1980, em Berkeley. Dessa experiência, saiu um livro, agora editado em Portugal. Nesse curso, ele explicou que a sua literatura teve três fases consecutivas, embora algo misturadas: a «estética», a «metafísica» e a «histórica». A primeira representou a literatura pela literatura, a emoção pura, o culto da beleza da forma. A segunda representou a literatura através da interrogação, a reflexão sobre os problemas do homem, o culto da intensidade do conteúdo. Finalmente, a terceira representou a literatura enquanto comprometimento social, a necessidade de mudar o mundo, o culto da intervenção pela justiça humana.
Eu achei esta sequência algo parecida com a minha. E não tenho dúvidas de que as crónicas que aqui escrevi representaram, para mim, esta terceira fase «histórica», que nunca antes tive coragem de assumir. Quer com isto dizer que foi a primeira vez que escrevi com a ideia prévia de publicar e, portanto, com a intenção de causar algum tipo de impacte junto de potenciais leitores.
Procurei sempre um justo equilíbrio entre a conjunturalidade necessária e uma tímida intemporalidade que mantivesse o interesse posterior, e também entre a interrogação «metafísica» e a sua transposição para os desafios quotidianos da sociedade em que vivemos, tudo no âmbito de um esforço «estético» que permitisse um ainda que modesto enquadramento literário.
Não sei se consegui os meus intentos. E sei que vou ter saudades de me sentar, num frémito misto de ansiedade e de prazer, para iniciar este meu malabarismo semanal. Mas, sinceramente, acho que já terminei o meu propósito «histórico». O que tinha para dizer neste domínio, já terei dito. E não me quero repetir.
Por outro lado – e esse é um domínio mais pessoal –, sinto que a fase «metafísica», da qual a «histórica» acaba por ser uma consequência directa, dura há tempo de mais na minha vida. E, assim, tenho uma vontade intensa de voltar à minha «estética», que foi a origem de toda a minha aventura literária e aquela que mais me seduz. Não aquela em que porventura sou melhor, mas a que mais me fascina e deslumbra.
Obrigado então a todos os que me leram, aos que me deixaram escrever, ao Paulo Chitas – o principal culpado – e aos que, nos bastidores, me ampararam ou me empurraram nos momentos menos animados.
Na hora da despedida, há uma mensagem que eu queria deixar. É uma ideia que muito ouvi ao meu velho professor e mestre, Vergílio Ferreira. No ano de 1969, altura em que era meu professor, escreveu-a (Nítido Nulo):
«Sê livre, pensa depois».