Chaminés exalam cheiros a cozinhados, portas encerram-se para o mundo, famílias unem-se, param e conhecem-se, a Terra respira finalmente.
Quem não reage a um ataque? O homem maltrata o planeta, o planeta defende-se e maltrata o homem. E os olhos da NASA veem mais mundo a estender-se no verde, porque a poluição esvai-se como o vapor dos cozinhados. O mundo regenera-se.
Voltei a passar os olhos na história de Erich Scheurmann, “O Papalagui”, que o escritor alemão escreveu em 1920, porque lhe vejo a lição de vida de ontem e de sempre. São 100 páginas, que considero de ingénua maravilha, a retratar a visão de um homem primitivo das ilhas Samoa, Tuávii, um chefe da tribo Tiávea, que, após muito se opor, acabou cedendo à proposta de um jornalista visitante de deixar a sua selva por uns tempos e ir visitar o mundo dito civilizado.
O Papalagui, homem branco na língua Samoa, achou-se perscrutado pelos olhos atentos de Tuávii, o patriarca chegado dos matos do longe, de onde o isolamento é verde e etéreo; da tribo que valoriza o bem espiritual em detrimento do bem material; do lugar onde partilhar é religião; da micro comunidade onde não existem roubos, porque tudo é de todos; de uma geografia recôndita onde o homem faz por a vida passar devagar para dela poder tirar o maior proveito.
Que lição poderemos todos tirar dos ensinamentos de Tuávii!
” O Grande Espírito é que determina, sozinho, as forças do céu e da Terra; é quem as reparte como lhe parece melhor. Não cabe ao homem fazer isso; não é impunemente que o branco tenta transformar-se em peixe, ave, cavalo e verme. E com isso ganha muito menos do que confessa. Quando atravesso uma aldeia a cavalo, vou mais depressa, é claro; mas quando caminho a pé, vejo mais coisas e o meu amigo pode-me convidar para entrar em sua cabana. Raramente se ganha de verdade quando se chega mais rapidamente ao que se
procura. Mas o papalagui está sempre querendo chegar depressa ao seu objetivo. Quase todas as máquinas servem apenas para chegar rápido a certa meta. Mas quando chega, outra meta o atrai. O papalagui desse modo vive sem jamais repousar; e cada vez mais desaprende o que é andar, passear, caminhar alegremente em direção ao que não procuramos mas vem ao nosso encontro”.
Hoje, nas casas dos sete bilhões e meio de seres humanos, finalmente não se desvia o olhar, olha-se nos olhos, conversa-se, acarinha-se, abraça-se. Nas ilhas açorianas, em muitos lugares, ouve-se o mar, antes abafado pelo ruido dos carros. As famílias reencontram-se. O “bicho” está lá fora, as paredes são refúgio. A desdita fez regredir a desumanização. Hoje, ter medo é ser corajoso. Será a Terra-mãe a estender-nos a mão para nos voltar a ensinar a andar?
Permitam-me despedir com o provérbio aborígene: “Somos todos visitantes deste tempo, deste lugar. Estamos só de passagem. O nosso objetivo é observar, aprender, crescer e amar… E depois voltamos para casa.”