As questões relacionadas com a fecundidade dos casais portugueses e com a família regressam hoje à ribalta com a apresentação de propostas por parte de Assunção Cristas, líder do CDS-PP. Do que até ao momento se sabe (escrevo este texto na manhã de terça-feira, 12), as medidas terão impacto em três áreas: o trabalho, a escola e a saúde.
Do meu ponto de vista, o Estado deve promover políticas públicas que permitam às pessoas terem o número de filhos que desejarem. Sabemos hoje, graças à Fundação Francisco Manuel dos Santos e ao Instituto Nacional de Estatísticas, que realizaram em conjunto o último inquérito à fecundidade dos portugueses (2013), que os nativos não desejam ter mais do que dois filhos. A verdade é que os indicadores que medem a fecundidade, a reprodução e a natalidade mostram que nos últimos anos estamos muito aquém desse valor e que, desde meados da década de 1980, o número de bebés é inferior ao necessário para substituir as gerações (ou seja, abaixo do limiar de 2,1 filhos por mulher). Por isso, podemos concluir que os portugueses não têm o número de filhos que querem, sendo necessário fazer algo para aproximar a fecundidade desejada da real.
Se esta é, do meu ponto de vista, a primeira prioridade de uma política pública (que não seja simplesmente “natalista”, servindo outros objetivos e ideais), a segunda é que qualquer política neste domínio não sirva para diferenciar homens de mulheres ou pais de não-pais. Ou seja, se a maternidade é um acontecimento natural das mulheres – que devem ser protegidas e apoiadas nessa qualidade, no mercado de trabalho, na família, na saúde, na sociedade como um todo – a parentalidade é um acontecimento das mulheres e dos homens que têm filhos. Por isso, devem ser dadas as melhores condições possíveis a ambos, de forma livre, para acompanhar os filhos em fases da vida em que precisam mais de apoio dos pais. Por outro lado, ter filhos é uma decisão pessoal, que ocorre por variadíssimas razões, crendo eu que as afetivas sejam as predominantes. Ora, não vejo nisso nenhuma razão para os “pais” serem tratados se forma diferente dos “não-pais”.
Por isso, sou contra medidas fiscais que favoreçam os casais com filhos. O nosso problema em Portugal não é beneficiar fiscalmente os que procriam mas evitar que asfixiemos todos com uma carga demolidora de impostos. No meu entender, os filhos não são uma parceria pública privada entre o Estado e os indivíduos: não deve valer “mais” uma criança no IRS do que um idoso ao cuidado de um familiar ou, mesmo, alguém que não tenha um laço familiar “de sangue” mas tão só uma ligação familiar “social”. O que é importante é o número de pessoas que fazem parte de um agregado: sejam filhos, pais, avós ou quaisquer outras pessoas que a ele pertençam. O resto, são políticas públicas de outros setores: da saúde (claro que as crianças têm necessidades específicas), da educação (sim, deve ser gratuita; sim, os manuais escolares custam uma fortuna e tem de haver uma solução para tal).
Por isso, estremeço quando leio que uma das medidas de Assunção Cristas passa pelo favorecimento fiscal, em sede de IRC, às empresas “amigas” das famílias. E se estremeci com essa ideia, tive um calafrio quando li que Cristas pretende promover o conceito de “responsabilidade familiar das empresas”: que eu saiba, as empresas produzem e as pessoas têm filhos. Ponto final.
Na verdade, uma empresa que possa abater uma parte da sua fatura fiscal por causa da construção de uma creche ou do pagamento de um subsídio para os filhos dos seus trabalhadores em idade escolar está a dedicar uma parte da retribuição do trabalhador a um fim específico. E está, também, a tratar desigualmente trabalhadores (com e sem filhos) nas mesmas condições laborais. Por isso, uma política de alívio para os agregados numerosos (reparem, “numerosos” não quer dizer “com uma legião de filhos”) deve ser realizada em sede de IRS, despenalizando aqueles que têm muitos a seu cargo, independentemente da sua “qualidade”.
Em relação à proposta de Assunção Cristas para regular o teletrabalho, parece-me bem, desde que não introduza um outro fator de diferenciação entre os “que têm” e os “que não têm” filhos: daí que estranhe a inclusão da medida neste pacote. Nada a dizer em relação ao aumento de número de ciclos de Procriação Medicamente Assistida apoiados pelo Serviço Nacional de Saúde. E tudo o que contribua para que cada um dos pais – o homem ou a mulher, juntos ou em separado – possa gozar a licença parental com flexibilidade também me parece bem, se não for uma medida apenas para a “família tradicional”, miragem que julgo animar o espírito desta iniciativa do CDS-PP.