Donald Trump está no auge das sondagens americanas para ser o candidato do partido republicano. Tal quer dizer que é muito apoiado pelos seus eleitores.
Pode dizer-se: é normal, pois o partido republicano é uma congregação de atrasados mentais criacionistas que, da última vez, elegeram o inacreditável George W. Bush.
Pode dizer-se: estejam descansados porque o Trump não vai chegar até ao fim; mesmo os republicanos não querem enfrentar semelhante vexame.
De facto, podem dizer-se várias coisas a este propósito, escondendo, na minha opinião, a questão essencial. Que é altamente preocupante.
No seu muito famoso livro “O anti-Édipo”, Deleuze e Guattari lançaram uma questão perturbante, dizendo (resumidamente) que o difícil de compreender não foi a existência de um tipo como Hitler, mas o facto de ele ter ganho as eleições num país culturalmente evoluidíssimo da civilização ocidental. E eu lembrei-me desta interrogação a propósito do populismo. Vamos por partes.
Comentário primeiro: o populismo é, basicamente, um modo de os políticos se dirigirem ao povo de forma directa, contornando os partidos. Teoricamente, não deveria haver uma conotação negativa no conceito. Mas há. Assim que “os populistas” obtêm valores simpáticos nas sondagens, há alguém que vem associar o populismo à demagogia. O “populista” passa a vender “banha da cobra”.
Ao mesmo tempo – comentário segundo -, o populista é apreciado pela população, muitos eleitores aderem ao seu discurso. E são os eleitores que votam, que decidem as eleições, não são os partidos.
Pergunta consequente: se os eleitores é que decidem, e se muitos deles aderem aos “populistas” – como outros aderem ao partido X -, por que razão os populistas são “maus” e os do partido X não? Ou seja, que critérios racionais têm os responsáveis partidários, e os comentadores políticos, para ostracizarem os “populistas”?
Dir-me-ão que estou a fazer de sonso e que o Donald Trump é um cretino consumado que diz que as mulheres são umas porcas só interessantes na posição do cão. Esta parte é verdade, mas não estou a ser sonso. Mas como dizia o Deleuze, o interessante não é saber como é possível existir um Donald Trump; o que importa é perceber a razão do apoio que os cidadãos eleitores lhe dão.
A minha explicação é populista: os partidos políticos decidiram, algures no passado mais ou menos remoto, que eram a base da democracia. E que os povos não deviam votar em pessoas (que podem morrer, enlouquecer ou transformar-se em ditadores), mas em organizações. Percebo. Mas os partidos foram mais longe: acharam que eram uma espécie de pastores do rebanho dos eleitores, controlando os canais necessários ao conhecimento e ao desenvolvimento destes. Tal como os ditadores, acham muitas vezes que o povo é ignorante e incapaz de perceber o que é melhor para o seu bem-estar. E que eles, partidos, são o cão-guia da sua cegueira. Ou vêem-se como altruístas, que escondem dos eleitores muitas realidades que estes não estão preparados para enfrentar. Com este espírito, criou-se um frequente e terrível hábito de mentir, sustentado no princípio perverso de que os fins justificam os meios, e manteve-se uma certa infantilidade inocente junto de certas camadas da população menos instruída.
O problema é quando esta ingenuidade é atacada por um boneco de banda desenhada chamado Donald, com o trunfo (trump é trunfo, em inglês) de dizer as coisas mais inconvencionais do mundo. Perguntam-me: os americanos, mesmo algumas mulheres, acham que as mulheres são umas porcas? Não acharão (quer dizer, poderão haver alguns que acham, é irrelevante). Mas o impacte na população não é esse, é outro, muito mais poderoso: “ao menos, este tipo não nos está a mentir; diz realmente o que pensa e não se refugia num politicamente correcto do qual estamos completamente fartos”. É claro que o homem diz coisas malucas sobre as mulheres, ou sobre os homossexuais. Mas é sincero e podre de rico. O que quer dizer que (1) muito maluco não deve ser, para governar bem os seus negócios; e (2) não é daqueles que nos apregoam moralismos e fazem precisamente o contrário às escondidas.
Abreviando, receio que os eleitores valorizem mais a sinceridade de um político do que as suas ideias. E pergunto: de quem é a culpa? Dos “populistas”?