O relatório sobre drogas de 2013, relativo à situação do país em 2012, mostra que as apreensões de haxixe e de liamba aumentaram face ao ano anterior. Durante 2012, foram aprendidos 18363 quilogramas de
cannabis (o haxixe é um derivado desta planta). Segundo o mesmo relatório, o preço médio de um grama de haxixe no mercado nacional é de três euros (a liamba é mais cara) e as apreensões realizadas eram sobretudo de droga, proveniente de Marrocos, e com destino ao consumo interno. Grosso modo, as apreensões equivalem a pelo menos 55 milhões de euros.
O relatório em causa não apresenta dados de consumo total no país. Por isso, os dados das apreensões são os únicos de que dispomos para avaliar a dimensão do negócio ilegal da droga. Claro que este pode ser muito maior – muita cannabis não é apreendida pois, de outro modo, não haveria consumo – ou menor – nem toda a droga apreendida teria por destino Portugal. Mas com base em dados da prevalência e frequência do consumo de cannabis para Portugal (disponíveis no site do European Monitoring Centre for Drugs and Drug Addiction) é possível fazer uma estimativa do consumo interno – cerca de 15 toneladas (a). Ora, como os dados se reportam a 2002 e sabemos que desde então o consumo de haxixe e de erva aumentou entre nós, admitamos que as 18 toneladas apreendidas em 2012 correspondem, grosso modo, ao consumo interno. Se este negócio fosse legal e taxado a, digamos, 25%, o Estado arrecadaria cerca de 14 milhões de euros; assim, não recebe nada.
Esta é apenas uma parcela do negócio ilegal da droga em Portugal (ainda há o da cocaína, da heroína, do lsd…) mas é o mais fácil de evocar porque a legalização da produção e consumo de cannabis tem andado nas bocas do mundo. O Uruguai, em Dezembro do ano passado, foi o primeiro país a aprovar legislação que regula a produção, distribuição e venda de marijuana. O Colorado foi o primeiro estado na América a legalizar a venda de pot (desde 1 de janeiro), limitada a uma onça (28 gramas) por cada ida à loja para os residentes daquele território. O estado de Washington seguir-lhe-á os passos, em 2015. Mas o panorama mundial é ainda mais surpreendente: segundo o mapa interactivo publicado no site weedblog.eu, em 44 países já há algum tipo de “aceitação” do consumo de cannabis.
Enquanto no Uruguai a venda de marijuana será controlada pelo Estado (que manterá o monopólio da venda), no Colorado o negócio será feito em lojas licenciadas para o efeito. O executivo do Colorado decidiu ainda a aplicação de uma taxa de 25% à venda de cannabis, prevendo que os cofres públicos encaixem 50 milhões de euros por ano, metade dos quais se destina ao financiamento das escolas públicas. Quer no caso do Uruguai quer no do Colorado, há ainda regras para a produção caseira de cannabis.
A demonização da cannabis deve-se, em grande parte, a Harry Anslinger, o primeiro responsável pelo Federal Bureau of Narcotics, o organismo estatal norte-americano responsável pelo controlo de narcóticos. Foram os Estados Unidos, também, que forçaram a inscrição da cannabis na convenção internacional sobre drogas de 1961.
Durante a década de 20 do século XX, o país de Obama já vivera o período da Prohibition, que ilegalizou a produção e venda de álcool. Os resultados são conhecidos: aumento da criminalidade, perda de receitas para o Estado e, ao contrário do que advogavam os drys, problemas de saúde resultantes da venda de produtos adulterados ou de muito má qualidade. Os péssimos resultados da emenda constitucional que instituiu a Lei Seca têm sido relembrados pelos que defendem a legalização da produção e consumo de cannabis.
Faço meus esses argumentos – e nestes tempos, tem importância o das receitas que podem ser geradas por um negócio legal e balizado pelo Estado – mas gostava de lhe juntar um outro, para mim de capital importância.
A liberdade é um valor demasiado importante para ser limitado (ou banido) à primeira dificuldade. Luis Valente Rosa, autor de uma extensa obra ensaística, filosófica e ficcional que, por opção do autor, está circunscrita à web (ver http://www.luisvalenterosa.pt), tem uma forma muito prática de apresentar este conceito. Para ele, “os homens têm uma liberdade total, com a única excepção de não poderem causar dano objetivo a outrem, em particular, ou à Humanidade, em geral” (Talvez Amanhã, DG Edições, 2012). O que é bom, nesta definição de liberdade humana, é que ela nos apresenta um critério (mais ou menos objetivo) que decide sobre os seus limites, permitindo operar no mundo real.
Assim, sobretudo porque o Homem não se realiza enquanto tal senão através da liberdade inscrita na sua condição, o uso de cannabis deve ser completamente livre. Enquanto não “causar dano objetivo” (como, por exemplo, na condução de automóveis), o homem é livre (tem de ser) para fumar um charro, sem que o Estado, a Lei ou a administração tenha algo a ver com isso. E isto é, claro, o mais importante.