<#comment comment=”[if gte mso 9]> Até outubro, tinham nascido em Portugal 69 285 bebés. É provável que os dados finais e oficiais, ainda por apurar pelo Instituto Nacional de Estatística, apontem para um número total de nascimentos na ordem dos 82 mil, como indiciam algumas notícias saída no início do ano (CM e JN).
A ser assim, no ano passado registar-se-á mais uma quebra da fecundidade em Portugal. Será também o quarto ano em que o número de nascimentos ficará abaixo dos 100 mil, valor que foi quebrado pela primeira vez em 2009, e repetido no biénio 2011-12.
A evolução da natalidade é afetada por fatores estruturais – como o envelhecimento da população, que reduz o stock de indivíduos nas idades mais fecundas -, comportamentais e culturais – as pessoas não querem ou não podem ter mais filhos. Os resultados do inquérito à fecundidade, realizado o ano passado pelo INE com o apoio da Fundação Francisco Manuel dos Santos, fazem alguma luz sobre este assunto.
Segundo o documento, o ideal de fecundidade dos portugueses (mulheres entre os 18 e os 49 anos e homens dos 18 aos 54 anos) é, em média, de 2,38 filhos. Por “ideal” deve-se entender aquilo que os inquiridos consideram ser a cereja no topo do bolo, mesmo que não reflita a sua situação. Quando a questão é colocada de forma mais concreta, situando-a no âmbito do caso concreto do inquirido, o resultado é bastante semelhante: uma média de 2,31 filhos ao longo da vida. Ou seja, as descendências numerosas dos nossos avós já não almejadas por quase ninguém (claro que alguns inquiridos terão respondido que desejariam uma família com oito ou nove filhos, mas é o valor médio que aqui nos interessa).
No meu tempo de aluno do curso de Filosofia da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, havia risotas no pátio do edifício da Avenida de Berna cada vez que a família de um professor próximo da Opus Dei o atravessava. Eram as típicas “famílias em escadinha”, com vários filhos em idades decrescentes. Se no final dos anos 80 isso provocava galhofa aos neófitos da faculdade (os veteranos estavam atarefados com fardos como o Hegel), hoje é uma raridade muito pouco invejada pelos portugueses.
O inquérito do INE/FFMS dá ainda outras pistas para compreender como os agregados numerosos são um fantasma do passado. Quer sejam empregados ou desempregados, quer sejam homens ou mulheres, casados ou não, quer vivam na cidade ou no campo, os portugueses projectam ter 1,8 filhos (a fecundidade “esperada”, que junta aos filhos que já têm os que esperam vir a ter ao longo da vida).
Ora, o indicador de fecundidade mais utilizado em todo o mundo, o Índice Sintético de Fecundidade, mostra que em Portugal, em 2012, houve uma média de 1,3 filhos por mulher. Ou seja, apesar de não quererem descendências em “escadinha”, os portugueses querem ter mais filhos do que efetivamente têm.
O que fazer, então? A filosofia pró-natalista, que em Portugal tem cultores como os campos de Abril tinham papoilas, advogaria uma discriminação positiva das “famílias”. Mais filhos, mais dinheiro – por via de cortes nos impostos, por via de deduções fiscais, por via de subsídios. Parece ser essa também a perceção dos inquiridos pelo INE/FFMS, pois a medida mais apontada para “incentivar” a natalidade foi a de “aumentar os rendimentos das famílias com filhos” (embora não se indique a partir de “quantos” filhos…).
Pois, eu permito-me discordar.
Para já, julgo que os filhos não se subsidiam como o trigo, o leite ou a carne de vaca. O exemplo de algumas câmaras municipais, que “davam” umas centenas de euros por cada criança nascida no concelho, só serviu mesmo para os autarcas aparecerem na televisão. E alguém vai começar a fazer filhos por causa de uma redução de 200 ou 300 euros no IRS? Também considero que os filhos não são uma parceria público privada, em que a mulher ou o homem fornecem a criança ao país e o Estado paga uma renda anual durante um certo período de tempo. Em poucas palavras, o Estado não tem nada a ver com o que se passa com a descendência dos seus cidadãos: tem filhos quem quer, quando quer e se quer. É um reduto intransponível da liberdade dos indivíduos. Ponto final.
Um vocábulo que aparece sempre associado às políticas pró-natalistas é o de “família”. Ora, quem tem filhos não são as famílias mas sim os indivíduos. Na Alfredo da Costa não se assistem os Valadares, os Silva, os Vasconcelos, os Gomes… Prestam-se é cuidados de saúde a grávidas e dão-se consultas a futuros pais e mães. Ou seja, a pessoas concretas. Na verdade, os conceitos, sobretudo os de banda estreita, não são assistidos na maternidade embora possam resultar num aborto intelectual. Por isso, quando se ouve Paulo Portas afirmar no congresso do seu partido que a reforma do IRS deve ser “centrada na valorização da família”, teme-se que os centristas estejam a pensar numa enorme PPP do Estado com a associação das famílias numerosas. A propósito: nada tenho contra as famílias com muitos filhos mas tudo tenho contra a ideia do Estado se querer meter na nossa cama.
Na minha opinião, o Estado só tem um papel: assegurar por todos os meios um desenvolvimento económico sustentável e sustentado. Serviços públicos eficientes e disponíveis para todos. Escolas. Hospitais. Centros de Saúde. Infantários. Para isso, cobra impostos e deve aplicá-los na produção de bens públicos úteis (não entram nesta categoria auto-estradas espalhafatosas nem rotundas com fontanários). E, essencial, assegurar que todos os cidadãos são tratados do mesmo modo.
O que quer isto dizer? Que homens e mulheres são iguais perante o Estado disfrutando do mesmo modo dos bens públicos. Por essa razão, fez mais pela natalidade a política de desfeminização das licenças parentais do que qualquer medida dirigida às “famílias”. E se o mercado de trabalho e as prestações sociais fossem flexibilizados no sentido de permitir uma conciliação dos empregos com a vida familiar (para homens e para mulheres, espero não ter de repetir isto), então seria bem mais fácil aproximar a natalidade efetiva da esperada.
Independentemente destes argumentos, vamos ter menos jovens no futuro. Hoje as mulheres estudam, trabalham e têm filhos mais tarde. O envelhecimento coletivo é inelutável. E temos de passar a viver todos em sociedades “maduras”, com os desafios que isso comporta. Maria João Valente Rosa, a diretora da Pordata, escreveu um breve mas muito elucidativo ensaio (O Envelhecimento da Sociedade Portuguesa, FFMS/Relógio d’Água) onde mostra como isso pode ser feito.
Quanto aos pró-natalistas, que tal irem para casa coser meias?
<#comment comment=”[if gte mso 9]> Normal 0 21 false false false PT X-NONE X-NONE <#comment comment=”[if gte mso 9]> <#comment comment=”[if gte mso 10]>