Portugal está a viver dias muito difíceis. Toda a população o sente. Para o Governo ouvir o que pensa o povo, destacados membros do PSD vieram dizê-lo, preto no branco, no último fim de semana. Avisaram que o Governo, envolto na sua ideologia neoliberal, não tem sabido explicar aos portugueses o sentido das medidas tomadas – e dos novos impostos – que tanto ferem os mais desfavorecidos e a própria classe média. O que é particularmente perigoso, num futuro próximo.
O Governo parece não estar especialmente interessado em falar da situação europeia. Não sabe, ou não quer saber, que a crise portuguesa depende muito mais da evolução próxima da União do que das medidas internas que o Governo ou a troika nos imponham. Por enquanto, o Governo só parece interessar-se em aplicar à letra o memorando da troika e até em ir além dele, como afirmou várias vezes. Com que objetivo? Para ser considerado um “bom aluno” dos mesmos “professores” que inspiram a troika? Sem pensar nos estragos da recessão que estamos a criar? Agravando assustadoramente o desemprego, a pobreza e destruindo a classe média, que tem sido um fator de equilíbrio da sociedade pós-25 de Abril?
Bastaram escassos dois meses para que os portugueses compreendessem que o Governo parece visar o mais fácil: impor novos impostos, ao contrário do que tinha prometido. Até, para agradar à senhora Merkel, se declarou contra os eurobonds. Estranha posição, como a ilustre jornalista Teresa de Sousa escreveu no Público, quando os eurobonds são considerados, em geral, como um caminho para a solidariedade – conceito central do projeto europeu – entre os Estados da União, para se poderem defender dos ataques dos mercados e das agências de rating.
A troika foi importante para evitar que Portugal caísse na bancarrota, num momento agudo da crise. Mas o seu memorando não é um texto sacrossanto. Todos os textos jurídicos são sujeitos a interpretações. Ajuda-nos a reequilibrar a nossa dívida. É certo. Mas para que nos serve, se cairmos numa recessão profunda, que nos faça regressar a um Estado do “terceiro mundo” – como éramos no tempo do salazarismo – levando a maioria da nossa população, incluindo a nossa classe média, à beira da miséria, impondo grandes brechas no Serviço Nacional de Saúde, no desenvolvimento espetacular vivido, até agora, pelas nossas escolas e universidades, afetando a proteção social dos velhos e dos doentes e obrigando os excelentes quadros que hoje temos, em todos os domínios do saber, das artes e do desporto, a emigrar?!
Portanto, a troika sim, mas passando o seu memorando pelo crivo do nosso bom senso, da nossa inteligência e dos nossos interesses nacionais. Sem subserviência. Tendo em conta que o futuro da União Europeia (de que a troika depende) está a evoluir todos os dias, como é inevitável. Para além do que diz a chanceler Merkel, que tem perdido todas as eleições, como acontecerá com Sarkozy, oiçamos alemães como Helmut Kohl, democrata-cristão e europeísta a sério, ou o ex-ministro Joschka Fischer, verde (que há dias publicou um artigo, no Público, extremamente lúcido), a equipa dirigente dos social-democratas alemã, dos verdes e, em França, Martine Aubry ou François Hollande. Tudo está a mudar, aceleradamente, não o esqueçamos nunca. Mesmo na América de Obama, preocupadíssimo com a recessão. Quem nos diria, há alguns meses, o que se está a passar no mundo islâmico? A União Europeia também vai mudar. E a troika, com ela…