Chegou de noite, a luz do petromax não lhe decifrava o rosto. Era um menino do meu tamanho, vinha ao colo do meu pai. Mais atrás, o vulto da minha mãe ondeava como um cortinado negro. Entraram no meu quarto e deitaram-no sobre a esteira ao lado da minha. Cobriram-no com uma capulana e retiraram-se com os mesmos passos furtivos. Demorei a retomar o sono, a respiração do intruso era uma asa fendendo o escuro.
De madrugada, atravessei o quarto, com pés de bailarino para não despertar aquele que dormia. Na cozinha, sentado com uma cerveja sobre a mesa, o meu pai observava a sua mulher a lavar a louça. Nunca a tinha visto tão calada. Durante um tempo fiquei a escutar o estridente chocalhar de panelas e pratos. E ali se confirmava: nada pesa tanto como o silêncio de uma mãe arreliada. Quando lhe dei os bons-dias, a mãe apenas suspirou. O suspiro vinha por baixo dos pés dela, nascido das fundações da casa.