Não leve a mal, senhor padre. Mas eu passei a minha vida a escolher, entre os meus pecados, aquele que trazia para o confessionário. Peneirava as minhas penas como quem cata grãos de milho antes de os lançar num pilão. Procedi assim para não importunar Deus. Convenhamos, senhor padre, a confissão é apenas uma amabilidade dos pecadores. Na realidade, o Criador conhece tudo sem precisar que nada seja revelado.
O que aqui venho contar passou-se nos tempos em que os meus avós ainda conversavam, de viva presença, com os seus avós. Nessa época, o tempo não se numerava. Dávamos nomes aos anos consoante graças e desgraças. Lembro-me, por exemplo, do ano “Nsasira”. Na nossa língua, Nsasira quer dizer “aquele que vasculha”. O que sucedeu, naquela altura, foram cheias devastadoras em que o rio emergia do chão e se espalhava pelos recantos das casas como se buscasse algo que lhe tinha sido roubado. Mais tarde, houve o ano chamado de “Kalimona” para celebrar a visita que o presidente português Óscar Carmona fez a Moçambique. E tantos outros nomes que não vale a pena lembrar porque contar os anos não traz boa sorte para ninguém. Dizem os antigos: deixemos o tempo sossegado para que ele possa dormir dentro de cada pessoa.