Há horas que espero descalça na cozinha, os pés juntos como quem vai de saída. Esta é a última noite do ano. Escutam-se os derradeiros e tardios foguetes, fios cansados de música cada vez mais distante. Ainda ecoam pela casa as vozes dos filhos e dos netos que vieram da capital para a passagem do ano. Durante escassas horas, a nossa família voltou a partilhar a casa. Num breve instante, o bairro dançou e cantou sob um mesmo céu. Foi reino de pouca dura. No instante seguinte, a cidade voltou a erguer os seus muros e os meus filhos partiram entre acenos e promessas de regresso. Assim que se retiraram, o meu marido também se despediu. Tinha afazeres com os amigos, era coisa de meia hora. Foi assim que Joel se justificou. Baixei os olhos, acenei em silêncio, sabendo como eram infinitas aquelas meias horas.
Arrumei sozinha a casa, varri o chão e juntei as garrafas no caixote de lixo. Fiz tudo isso descalça porque, a esta hora da noite, o chão são paredes que subo e desço sem parar. De vez em quando, suspendo as limpezas, para suspirar: como é que os que não têm nada produzem tanto lixo?