Há séculos que o coronel Aníbal Covas está sentado na varanda da sua casa, olhos fixos no horizonte como se receasse assustar o tempo. A varanda abre para uma praça igual à de todas as aldeias de Trás-os-Montes. Os olhos verdes e mudos contemplam não a igreja e o casario de pedra, mas uma imaginária mata cerrada de África onde ele combateu faz agora cinquenta anos. O coronel não tem visitas, não espera carta, não tem telefone. Está reformado o militar, aposentados estão os seus sonhos. A mulher saiu de casa, os filhos fingem ser órfãos de nascença, os vizinhos evitam qualquer intimidade. Com as botas presas ao chão e medalhas pesando-lhe no peito, o velho militar é um anjo fardado: não morre nem vive.
Um certo dia, a família – que vive numa cidade distante – decidiu contratar uma enfermeira que tomasse conta de Aníbal Covas. Respondeu ao anúncio uma moça que dava pelo nome de Angelina Salgueiro. Não cobrava quase nada, apenas o suficiente para que a família ficasse de consciência leve. Deram-lhe indicações sumárias: o velho estava apático, com poucas falas e ainda menos gestos. Graves eram as suas insónias: há meio século que não tinha uma noite de sono. Dormir era, para ele, uma imperdoável lassidão perante um inimigo que todos, menos ele, sabiam que deixara de existir.