Quem se preocupa com a UE está muito atento à eleição presidencial em França. Sobretudo agora, quando faltam pouco mais que duas semanas para a primeira volta do escrutínio. No caso francês, a Presidência da República é um cargo institucional com imensos poderes de decisão. Incluindo a definição da política externa do país. Por isso, a escolha que os franceses fizerem contará muito para o futuro da UE. Não nos podemos esquecer que a França representa um dos pilares do edifício político europeu, para além de ser a segunda economia mais desenvolvida do espaço comum.
Vários candidatos têm feito campanha contra o projeto europeu. Para eles, a UE seria a culpada de uma grande parte dos males, hipotéticos ou reais, que o país estará a viver. Curiosamente, entre os candidatos sem qualquer hipótese de passar à segunda volta, têm sido os dois aparentados ao trotskismo quem mais tem recusado esse tipo de discurso. A extrema-esquerda francesa, ao contrário de outras que por aí andam, apresenta-se como europeísta.
No círculo dos grandes, dos que de facto têm alguma hipótese de passar à segunda volta, Marine Le Pen é a grande ameaça. Le Pen é uma nacionalista à moda antiga, formada pela ideologia da direita radical, líder de um partido cujo nome ecoa as eras dos fascismos e das uniões nacionais. Uma frente que atrai e amálgama nazis, antissemitas, sectários da ultradireita e xenófobos de toda a estirpe. A que se juntam diversos extratos mais vulneráveis da sociedade francesa, incluindo parte de um eleitorado operário e de baixos rendimentos, que outrora votava comunista e agora se identifica com Le Pen. Quer uma França fora do euro e da livre circulação dos trabalhadores, um país fechado sobre si próprio, por detrás de fronteiras e de polícias, com uma economia protegida por barreiras alfandegárias incompatíveis com as práticas comerciais que regem hoje as trocas internacionais. É um programa impraticável. Sobretudo porque uma boa parte da riqueza francesa provém do seu comércio exterior e da abertura ao mundo dos negócios à escala internacional. Levaria a França ao descalabro económico e a uma sucessão de conflitos, sobretudo com os seus vizinhos.
Mas Marine Le Pen é uma política astuta. E uma boa estratega. Conseguiu adaptar o seu discurso político, pintando-o com cores mais esbatidas e com múltiplas referências a referendos e outras consultas populares, de modo a poder pescar em várias águas eleitorais e polir a fachada com um verniz democrático que esconda os traços de caudilho. Pensa que esta agenda a poderá levar ao poder, neste momento de imensas incertezas, inquietações e profundos medos coletivos. Acredita que chegou a sua oportunidade, uma chance que falhou por pouco ao seu pai, nas presidenciais de 2002.
Tem razão. Pode ganhar a eleição.
Assim, a prioridade das prioridades nestas presidenciais é muito clara: derrotar Marine Le Pen!
Mas sem esquecer que há aqui uma pergunta mais profunda, que precisa de ser tida em conta: como foi possível chegar-se a este ponto, em que uma personagem tão perigosa como Le Pen esteja às portas do poder, numa democracia tão antiga como a francesa? Ou, dito de outra maneira, como explicar que esta líder ultrarradical tenha conseguido alcançar um certo grau de respeitabilidade e uma grande base de apoio, quando quase todos sabem ao que ela vem?
Emmanuel Macron, que foi ministro da Economia de François Hollande, poderá ser o obstáculo que impedirá Marine Le Pen de chegar ao Palácio do Eliseu. As sondagens dizem-nos que deverá estar na segunda volta eleitoral e que sairá vencedor. Espero que as sondagens não nos equivoquem. Preocupa-me, no entanto, que a percentagem dos que se dizem indecisos, numa altura tão próxima do dia do voto, seja tão elevada. Uma percentagem inédita! Teoricamente, custa a acreditar. Será que as pessoas estão a esconder as suas intenções? Se assim for, só poderão estar a ocultar escolhas extremistas, do género Le Pen.
Esperemos que não. Esperemos que Macron vença.
Mas que representa o jovem Emmanuel Macron, um recém-chegado às lides próximas do poder? Um rejuvenescimento da vida política francesa? Uma cara nova, num sistema de partidos tradicionais que muitos consideram terem sido tomados de assalto por incompetentes ou então, por corruptos e oportunistas?
A verdade é que Macron é um líder ambíguo, que joga à direita e à esquerda, mas que nega, ao mesmo tempo as velhas dicotomias ideológicas e que nos quer fazer acreditar que a separação é agora entre os progressistas e os retrógrados. A modernidade contra o conservadorismo seria a nova linha de separação política.
Enfim, estas são umas eleições cheias de interrogações. E ansiedades. Vai continuar a correr muita tinta. Mas espero que seja apenas tinta e que os radicais sofram a derrota que uma democracia avançada lhes deve infligir.