Por ocasião dos sessenta anos do projeto europeu e nas vésperas da cimeira de Roma, convocada para marcar a efeméride, quero olhar para o futuro da UE pela positiva. Esta minha escolha pode parecer estranha. É verdade que está na moda dizer mal da União. Como diria o outro, é isso o que está a dar votos. Assim pensam os populistas e todos os extremistas. Não alinho com essa maneira de ver as coisas. A União, com mais ou menos diversos matizes, é a única opção que permitirá manter o progresso económico e social dos Estados-membros. E, de igual modo, salvaguardar o espaço de paz, de liberdades, de direitos humanos e de igualdade entre os homens e as mulheres. Esses direitos definem a UE, mesmo quando se reconhece que a sua realização plena ainda é obra em construção. Quem tenha dúvidas que compare os direitos dos cidadãos europeus com os de outros, nas diversas regiões do planeta.
Olhando para o caminho percorrido ao longo destas seis décadas, há muito que registar. Temos hoje na UE uma Europa sem cortinas de ferro, liberta dos velhos e variados regimes totalitários. As nações que a compõem gerem hoje as contradições e os conflitos entre elas de modo institucional, depois de séculos de rivalidades, em que as divergências de interesses eram tratadas com recurso corrente à guerra e sem qualquer respeito pela vida e os bens das populações. O continente que tem o passado mais sanguinário transformou-se num exemplo de cooperação entre Estados. É igualmente um exemplo em termos de modernização económica, de prosperidade e de modelos de proteção social.
Nem tudo serão rosas. Mais do que o populismo e sem ignorar os riscos que representa, as grandes ameaças que temos pela frente podem ser agrupadas em três categorias, para clareza da argumentação.
Primeiro, haverá que reconhecer que a credibilidade dos políticos e das instituições está na mó de baixo. Precisa de um tratamento a sério e de uma atenção urgente. Nos dias que são os nossos, a imagem pública de qualquer político está muito exposta. Tem que ser intocável e projetar liderança, confiança, ânimo e capacidade para ouvir e construir pontes. Os dirigentes devem, além disso, ser capazes de fazer frente às grandes questões internacionais, de tratar do Próximo Oriente, de África, da Rússia, da Turquia ou da nova administração americana de modo enérgico e construtivo. Ou seja, mostrando que a Europa que temos se inspira acima de tudo na defesa dos valores universais e das normas e tratados que fazem parte dos consensos estabelecidos no quadro das Nações Unidas. Os princípios, sim, os princípios dão força e autoridade. É tempo de falar claro em matéria de política internacional, perante os ditadores e outros aprendizes grotescos que nos servem de vizinhos ou interlocutores.
Segundo, existe em várias partes da UE um défice de esperança. As desigualdades entre os países e as que persistem dentro das fronteiras nacionais contradizem as expectativas que os cidadãos haviam colocado no desígnio comum. Para muitos, a bandeira azul perdeu a cor do entusiasmo, deixou de acenar com a promessa de uma vida melhor. Há que puxar os países e as regiões menos desenvolvidas para cima, promover o investimento económico de modo equilibrado, apostar na economia digital e ambiental. Trata-se, em termos concretos, de combater o desemprego que atinge não apenas os mais jovens mas também quem tem mais idade, sobretudo os que se encontram nos patamares mais avançados da sua vida ativa. A esperança renasce, em grande medida, quando se encontra um emprego decente, socialmente útil e remunerador.
Terceiro, seria um erro não reconhecer que existe receio perante o futuro. Importantes segmentos da sociedade europeia têm medo de perder os direitos adquiridos, as conquistas sociais, a tranquilidade que tem mantido as nossas praças e ruas seguras. Muitos de nós sentimos que estão a aparecer “novas ameaças” à nossa maneira de estar e de viver. É o temor dos outros, do que é estranho e fora dos nossos hábitos, das comunidades que rezam e se vestem de modo diferente, dos imigrantes em números incontrolados, dos refugiados em massa, dos efeitos da globalização e da liberalização das relações económicas internacionais. Um bosque de pavores assim constitui o terreno de caça privilegiado dos extremistas de diversos bordos e convicções. E é aí que aparece o risco muito real dos radicalismos, tresloucados ou simplesmente oportunistas.
E falando dos extremistas e dos novos populismos, sou dos que advogam que se chamem os bois pelos nomes. A começar pelo Movimento 5 Estrelas, um dos perigos mais imediatos para a estabilidade e continuação política da ambição europeia. Menciono-o por a cimeira ter lugar em Roma, onde tudo começou há sessenta anos e onde tudo pode vir a ser posto em causa, se os estapafúrdios das estrelas ganharem as próximas eleições na Itália. Ou se algo equivalente acontecesse em França, nas eleições que se aproximam. Nesses casos, pouca esperança de vida existiria, após a festa dos sessenta anos.