Na igreja de S. Pedro Gonçalves Telmo, em Massarelos, funciona uma das mais antigas irmandades religiosas do Porto: a Confraria das Almas do Corpo Santo de Massarelos, segundo antiga tradição fundada em 1394 – o ano do nascimento nesta cidade do quarto filho de D. João I e de D. Filipa de Lencastre, o Infante D. Henrique. Foi uma das mais prósperas irmandades do Porto. Atuava como uma verdadeira associação da influente e rica classe marítima. Era proprietária, por exemplo, de vários navios, oferecidos, uns por irmãos e benfeitores; outros por aquisição da própria instituição.
Os barcos andavam no rentável comércio da Índia, do Brasil, da China e do Japão. Quando Filipe II reinava em Portugal, tomou a iniciativa de formar a “Invencível Armada“ com que, pensava ele, se propunha derrotar a poderosa frota da Inglaterra. Para integrar essa armada, o rei espanhol confiscou à Confraria do Corpo Santo alguns dos seus melhores barcos. Entre muitos outros, estavam dois belos bergantins, o “Senhora da Conceição” e o “Esmeralda“ que haviam sido oferecidos à Confraria, por um Irmão residente no Brasil, em cumprimento de uma promessa. A oferta contemplava uma cláusula curiosa: os rendimentos resultantes da atividade dos dois barcos no comércio marítimo deviam ser aplicados na compra de lençóis para servirem de mortalha aos cadáveres dos que morressem afogados, no rio ou no mar. Os dois bergantins acabavam de chegar a Massarelos de uma longa e atribulada viagem ao Brasil quando o provedor da Irmandade, “a chorar” comunicou aos capitães dos barcos a decisão de Filipe II. O consternamento foi geral. Capitães e a tripulação dos barcos apresados, mais o provedor e os irmãos da Confraria, ali onde os bergantins estavam ancorados, no sitio a que hoje se dá o nome de Cais das Pedras, manifestaram-se contra a deliberação de Filipe II e levaram os seus atos ao extremo de queimarem uma bandeira espanhola.
Os protestos de nada valeram. Os navios foram mesmo arrestados e, por ordem expressa do rei espanhol, ao local onde os marinheiros e dirigentes da irmandade se manifestaram foi dado o ignominioso nome de “praia dos Insurrectos”, que as gentes de Massarelos usavam com o mesmo orgulho com que se diziam tripeiros porque, asseveravam, em vez de nos amesquinhar, muito nos enobrece.
E agora uma pergunta: por que se não dá oficialmente o nome de praia dos Insurrectos ao Cais das Pedras?