Dificilmente a coligação Portugal à Frente (PaF) poderá, daqui até ao dia das eleições, continuar a invocar a lição da Grécia como um dos pilares da campanha. Aqueles que, aparentemente, tinham todas as razões para se sentirem dececionados com Alexis Tsipras, o homem que lhes prometera o fim da austeridade e das visitas da Troika, voltaram a confiar em….Alexis Tsipras.
É verdade que, nas eleições do passado domingo, a abstenção subiu cerca de 8 por cento. Mas não me parece francamente muito, depois da humilhação que representou para os gregos serem levados a votar num referendo de cujo resultado as instituições europeias se parecem ter rido. Os gregos, que tinham dito “não” ao memorando proposto, viram-se, logo a seguir, obrigados a aceitar outro ainda mais duro. E, mesmo assim, o ministro alemão das Finanças, o sr. Schäuble, resolveu ainda carregar um pouco mais nas feridas dos vencidos, dizendo que, por ele, a melhor solução até seria a Grécia sair do do euro.
Além de a abstenção não ter sido tão drasticamente elevada como as circunstâncias fariam supor, os gregos também não voltaram a virar-se, arrependidos, para os partidos tradicionais. A Nova Democracia conseguiu um resultado pouco melhor do que obtivera em janeiro. E o Pasok saiu ligeiramente menos estilhaçado, mas nada digno de registo.
Aliás, apesar de a Grécia ser um caso mais extremo, este não é o único país europeu onde a crise económica parece estar a atingir mais os socialistas do que os partidos de direita. Basta lembrarmos a vitória de David Cameron nas eleições, ainda não muito distantes, no Reino Unido. Aqui ao lado em Espanha, apesar de ter sido o Partido Popular a aplicar a austeridade, voltou a vencer as eleições. E, em França, muito poucos acreditarão na reeleição de Hollande.
Porquê os socialistas estarem a sair-se pior do que a direita? Aparentemente, muitos dos eleitores esperariam que eles fizessem a diferença, ou uma diferença um pouco maior, quando estão no poder. Visto de fora, o êxito do Syriza só parece explicar-se por os gregos terem concluído que, dentro da pouca margem de manobra que os credores lhe deixavam, Tsipras fez o que pôde. Prometera-lhes o céu que seria o fim da austeridade e falhou. Mas conseguiu ao menos acabar com os traços mais duros do purgatório. Quem não se lembra de que, quando Tsipras chegou ao poder, havia milhares de pessoas sem eletricidade e que os desempregados perdiam, ao fim de três meses, acesso aos serviços públicos de saúde?
O Syriza parece ser hoje “apenas” um partido socialista de esquerda, depois da saída da sua ala mais radical. Aliás, os resultados das eleições de domingo levam a crer que essa ala, agora reunida na Unidade Popular, teria, nos órgãos do Syriza, uma representação maior do que a sua real dimensão. Mais de metade do comité central do Syriza tinha votado contra a aceitação do novo memorando. Avaliada agora a correlação de forças, a Unidade Popular, que dispunha de 25 deputados no parlamento, desde domingo não tem nenhum.
Veremos se o Syriza irá representar o início de uma inflexão dos partidos socialistas europeus, que foram aderindo, uns após os outros, à chamada Terceira Via, isto é, a viragem para o centro. E Tony Blair, o ex-primeiro ministro britânico, parece destinado a ficar, porventura com algum exagero, como o grande responsável por essa mudança ideológica.
Quanto à Grécia, lembremos que muitos dos lideres europeus se propunham tornar a anterior vitória do Syriza numa espécie de vacina para os restantes países endividados. Pela parte dos gregos, as eleições de domingo mostram que eles não se deixaram intimidar e dispuseram-se até a tomar uma dose dupla.