De repente, todos começaram a desejar eleições. Ou quase todos… Cavaco Silva e António Costa querem ver afastado esse cenário o mais possível. O Presidente da República porque é quase um maníaco da estabilidade, que vê como um fim em si mesmo, e porque acredita piamente que os custos de uma situação desse tipo seriam tremendos para os portugueses. O presidente da Câmara de Lisboa por estar ciente de que a convocação de legislativas antecipadas lhe iriam retirar qualquer hipótese de poder chegar à liderança do PS. Mas a verdade é que foi ele, o challenger inesperado de António José Seguro, o inesperado desestabilizador da peculiar situação política portuguesa. Por isso, ainda que não pareça, quer o Governo quer os principais partidos deram, por estes dias, o seu contributo para lhe minar o caminho. O que não deixa de ser revelador da paz podre em que vive o sistema partidário indígena.
Como já se percebeu, o Executivo e a maioria ficaram em pânico com a entrada em cena de Costa. Um verdadeiro balde de água fria depois daquela noite das europeias feita de sentimentos contraditórios. PSD e CDS juntos com o pior resultado de sempre. O partido de Portas a definhar, a definhar… quando sair disto nem um táxi consegue encher. O PSD a esvair-se, atingido já o núcleo duro que lhe garantia um ponto de partida confortável na corrida às urnas. O tremendo legado de Passos Coelho! Apesar do horror, ecoou um suspiro de alívio. O diretório da coligação esperava pior e, sobretudo, não contava que o PS ficasse a menos de quatro pontos da sua votação. Enquanto o PS proclama a sua “grande vitória” e a direita mal disfarça a satisfação, nenhum dos partidos do chamado “arco da governação” mostra ter a mínima noção do que se está a passar. Tem tudo a ver com a classe média, fator de moderação e equilíbrio social. A austeridade deu cabo dela e à medida que a classe média encolhe, diminui a base de sustentação dos partidos pilares do sistema. PS e PSD deixaram de ser alternativa porque ambos seguem a mesma matriz. A chamada “austeridade inteligente” de Seguro tem por base a mesma cartilha incensada por Passos: o Tratado Orçamental. A classe média está à procura de uma alternativa, enquanto mostra a sua ira, votando no PCP e em Marinho Pinto, ou o seu desprezo, votando em branco e alheando-se das urnas. Será que António Costa percebe isso quando fala da necessidade de uma “rutura” e quando avisa que “não basta garantir uma simples alternância” porque “a alternância sem alternativa de nada servirá”? Ainda é cedo para saber.
Mas já deu para perceber que a sua chegada atemorizou todos os quadrantes. Passos Coelho sentiu-se, pela primeira vez, seriamente tentado a provocar eleições antecipadas. A violência das críticas às decisões mais do que esperadas do Tribunal Constitucional e a guerrilha institucional deliberada, desencadeada a propósito provam-no. De repente, Passos percebeu que não só ficou sem margem de manobra para benesses eleitorais, como corre o risco de ter de enfrentar um Costa limpo destes anos de chumbo. O PCP também deu um ar da sua graça: o PS em pé de guerra, o Governo em queda e o Bloco em crise – é o timing perfeito para um bom resultado. Já pediu eleições. Finalmente o PS. O espetáculo não é recomendável e Seguro só não exigiu legislativas antecipadas porque é demasiado óbvio. Mas todos os dias pressiona Cavaco, sem perceber que a sua teimosia não só ajuda a levar Costa ao colo, como o diminui a ele próprio enquanto líder.