Sempre gostei da escola. Filha,sobrinha e irmã de professores, desde que tenho memória que ela está lá, como um lugar onde se pode ser feliz. Assumo que terei uma visão algo romântica de tudo isto, mas ainda hoje me emociono quando piso um recreio ou assisto às pequenas grandes conquistas da aprendizagem. Aquele momento em que um filho olha para um conjunto de letras e vê uma palavra com sentido é o mais próximo que já estive de um milagre. De tudo quanto desejo aos meus filhos, o prazer da descoberta é talvez o que está no topo: que nunca deixem de se maravilhar e de querer entender o mundo que nos rodeia. E por mais que eu os instigue nas descobertas, confio a esta instituição sagrada boa parte da responsabilidade.
Pertenço a uma geração que cumpriu onze anos de escolaridade sem nunca pôr o pé numa sala de exame. Havia os testes, claro! Mas o bicho papão só aparecia quando estávamos prestes a entrar no mundo dos adultos. Já a minha filha, agora com dez anos, lida com a pressão dos exames desde o quarto ano. Não que tenha sido complicado para ela. Encarou-os como um jogo, um desafio não muito diferente das palavras cruzadas ou dos Sudokus com que se entretém nas viagens de carro. Mas tenho uma pena enorme que todo o terceiro período do seu último ano no primeiro ciclo tenha sido passado a treinar, para o exame. Sem distrações. Os alunos do quarto ano nem sequer foram autorizados a assistir a uma peça de teatro na escola. Era preciso treinar. Alguns dos colegas passaram a ter explicações, deixaram de frequentar as atividades extracurriculares, de ir às festas de aniversário. Tudo isto em nome das boas notas nos exames.
Pais, professores e diretores de escolas estão completamente estrangulados por esta ditadura das avaliações.Pela perversão absoluta que determina que os apoios às escolas dependam dos resultados nas provas, numa lógica inversa:quanto melhores as notas, mais apoios. Quando deveria ser precisamente o contrário.
É preciso preparar os alunos desde cedo para os exames na Universidade, e aos 15 anos há que fazer boa figura nos testes PISA (Programa Internacional de Avaliação de Alunos) – o ranking instituído pela OCDE para avaliar os níveis de literacia em Matemática, Leitura e Ciências. A Finlândia tem sido o campeão mundial, levando a que haja nesta altura um entra e sai de peritos que vai lá estudar como é que os finlandeses fazem esta proeza. AbuDhabi quer comprar o sistema de ensino finlandês, onde, curiosamente, os alunos só fazem exames no fim do ensino secundário, quando se preparam para entrar na universidade. SveinSjoeberg, professor de Ciências de Educação na Universidade de Oslo, Noruega, opõe-se veementemente aos testes PISA. Na última conferência de um ciclo de homenagem a Mariano Gago, que aconteceu na semana passada no Pavilhão do Conhecimento, o académico não se deteve perante a presença da representante da OCDE, com quem partilhou o palco. E sem qualquer prurido, desancou no sistema de avaliação instituído pela organização e na obsessão pelos rankings.”Criam um sentimento de pânico. Aos onze anos é mais importante ter perspetivas relativamente ao futuro do que boas notas”, defendeu.
Num dos vários gráficos que apresentou, o norueguês mostrou uma análise à curiosidade científica, feita ao mesmo grupo de alunos avaliados no PISA. E surpresa das surpresas, neste parâmetro, os finlandeses estão lá para o fim da tabela, liderada pela Colômbia. Portugal aparece num bastante mais favorável 12º lugar.
Para o novo ministro da Educação, que hoje toma posse, tenho apenas um pedido: que não mate a curiosidade dos meus filhos.