Chego ao Teatro D. Maria II sem saber ainda a que sala me dirigir. Mas assim que entro no foyer percebo que o grupo que ali aguarda vai para o mesmo sítio que eu. No caso, o lançamento do livro Teorema Vivo (da Gradiva), do matemático francês Cédric Villani, Medalha Fields (o dito Prémio Nobel da Matemática) em 2010.
Tinha feito umas pesquisas na Internet antes de vir e sabia o essencial sobre a personagem: precoce, brilhante, com trabalho na área das equações de Boltzmann e de Landau e na descrição do movimento de gases e plasmas. Pelas fotos, deu para perceber que se vestia de uma forma, digamos, curiosa.
O grupo foi crescendo – miúdos com ar de estudantes universitários, adultos com ar de fãs dos números. Até que chega Cédric, apressado e rodeado da sua entourage. A aparição causa impacto e ele sabe disso. Dá a ligeira impressão de que treina em frente ao espelho. Vem de fato escuro completo, camisa branca, botões de punho, traz uma corrente de relógio a sair do bolso do colete, um enorme laço de seda verde ao pescoço e, na lapela, uma pregadeira em forma de aranha, que contam-me mais tarde, faz parte de uma imensa coleção de aracnídeos, que leva para todo o lado, mas não diz porquê. É alto, muito magro e faz vento à passagem. “Descobri este estilo há vinte anos e cheguei à conclusão de que servia tanto para um encontro com milionários, como uma conferência ou simplesmente para estar em casa,” contar-me-ia mais tarde.
Entramos no lindíssimo salão nobre do Teatro, um dos espaços em que decorre o Lisbon Estoril Film Festival, organizado por Paulo Branco. Só aí é que percebo que Cédric está cá por conta do próprio festival, segreda-me Jorge Buescu, também matemático e revisor científico da edição portuguesa de Teorema Vivo. Além do talento para a matemática, Villani é um cinéfilo, apreciador de música e faz parte, pela segunda vez, do júri do festival. Tem mulher e dois filhos adolescentes e eu fico a pensar quantas horas terá o seu dia.
Depois da apresentação do livro, feita pelo físico Carlos Fiolhais e por Jorge Buescu, é a vez de Cédric falar. Descreve a obra como uma novela, a história de como chegou à demonstração de um problema, as peripécias, dificuldades, colaborações – onde entram mesmo dois matemáticos portugueses – e um final feliz, já sabemos. “É como uma história policial”, diz com um certo ar de miúdo. A obra publicada é uma segunda versão já que a primeira, escrita inteiramente à mão (os matemáticos têm uma fixação pelo papel e lápis), se perdeu de vez, em condições não esclarecidas, quem sabe relacionadas com o mistério das aranhas. “Mas isso até foi bom”, ri-se. “Esta é muito melhor.”
No espaço para perguntas, percebe-se rapidamente que o matemático está muito treinado nestas lides. Até a topar jornalistas entre o público e a contornar as perguntas. O efeito Medalha Fields. Alguns dos vencedores chegam a desaparecer de circulação, escondendo-se entre os números, por não aguentarem a pressão dos media. Cédric gosta do protagonismo, evidentemente. Mas nada o entusiasma tanto como falar de desafios matemáticos. De problemas quase impossíveis de resolver. “Mais importante do que um professor que segue o programa, é um professor entusiasmado,” diz-me.
No final da apresentação, os autógrafos. Também há quem tire selfies, que ao fim de uns minutos já estão no Facebook. Um grupo de quatro, em que um deles tem um casaco de capuz preto a dizer “matemática” nas costas, faz a foto em conjunto. “Já tenho imagem de capa. O pior é que vamos ficar os quatro com a mesma.”
Também vou ao autógrafo. Recebo um sorriso e um desenho do Marsupilami. Cédric é um fã de toda a banda desenhada, desta em particular. “O mais importante para se ser bom a matemática é a imaginação,” diz-me. Talvez seja este o seu segredo. Manter uma parte de si mesmo na infância.