1. No balanço global dos últimos acontecimentos políticos, relacionados com o caso TAP e a demissão ou não do ministro João Galamba, todos perderam: o Presidente da República, o primeiro-ministro, o País. O que julgo que sobretudo conduziu a tal situação, e qual a responsabilidade nela do Presidente e do chefe de Governo?
Tem sido prática corrente dos presidentes serem mais interventivos e “incómodos” para os governos no segundo mandato. Como Soares face a Cavaco, apesar de este e o PSD terem apoiado a sua (re)candidatura. Marcelo também teve o apoio de Costa e de destacados dirigentes do PS, após no primeiro mandato, sobretudo por ser de outro “hemisfério político”, haver desempenhado um papel decisivo para a estabilidade política e a governabilidade por parte de um executivo socialista viabilizado à esquerda.
Era expectável que Marcelo fosse tomando posições cada vez mais distanciadas em relação ao atual Governo, até para reconquistar a franja mais à direita da sua base inicial de apoio. A isso acrescendo justificar-se uma maior vigilância e intervenção do Presidente, dado haver uma maioria absoluta no Parlamento, por isso diminuído nos efeitos “práticos” do seu escrutínio ao Executivo. E a isso acrescendo, ainda mais, o facto de o Governo ir falhando em múltiplos aspetos, com o primeiro-ministro a não (a)parecer com a capacidade política e de liderança que já mostrou possuir.
Só que Marcelo, que todos estão de acordo fala de mais, e em todas as circunstâncias, sobre temas que exigem outro tratamento, exagerou na sua constante intervenção como “comentarista” da ação do Governo. Por vezes dizendo o que é natural, positivo, diga ao primeiro-ministro nas reuniões de trabalho, mas não em público. A menos que o seu objetivo fosse afirmar a supremacia do seu “poder” face ao de Costa. O que estou convicto não é o caso, mau grado a inusitada e lamentável frequência com que passou a falar do seu poder de dissolver o Parlamento, mesmo para afirmar que não o faria…
2. É neste contexto que se insere o caso Galamba. Marcelo defendeu que devia ser demitido. Costa não só não o demitiu como não aceitou o seu pedido de demissão. E ainda Costa estava a falar já Marcelo emitia, pasme-se, uma nota discordante. Desenvolvendo-a depois numa “comunicação” ao País, implacável para Galamba e Costa. Ora, em meu juízo:
a) É absurdo considerar (como tantos consideraram!) a decisão de Costa uma afronta a Marcelo: ambos têm a mesma legitimidade política e cada um as suas competências, sendo do primeiro-ministro a da escolha da sua equipa;
b) Costa alegou razões de consciência para decidir como decidiu. Mas não se deve excluir que o tenha feito (também?) como afirmação de poder, de que não “obedece” a tudo o que o Presidente quer, não se coloca sob a sua asa protetora, não lhe segura o guarda-chuva em todas as situações;
c) Mas Marcelo tem razão: Galamba não devia continuar como ministro. A circunstância de, segundo Costa, o ministro não ter culpa direta no “deplorável” episódio que envolveu um seu assessor não exclui uma sua responsabilidade política, porque até foi ele quem o escolheu…
d) Do ponto de vista político de Costa, creio ter ele cometido um erro nítido. O que devia ter feito era aceitar a demissão, sublinhando fazê-lo apenas a pedido de Galamba, que não obstante a sua “inocência” naquele episódio entendia não ter condições para continuar. Com o mais que podia acrescentar, nas linhas ou entrelinhas, sobre Marcelo.
3. A partir daqui têm-se traçado os cenários mais negros sobre as relações entre o Presidente e o chefe de Governo, com óbvias implicações muito negativas para o nosso futuro próximo. É possível que isso aconteça? É. Ou era, se um e outro não tivessem sentido de Estado e da imprescindibilidade de colocar os interesses do País acima de tudo – e eu creio, quero crer, que ambos têm esse sentido. E, assim, espero (liricamente?) que este episódio seja ultrapassado e uma sadia colaboração institucional se mantenha. Como para dançar o tango são precisos dois, neste momento difícil Portugal precisa igualmente dos dois, em harmonia e não em conflito. É um tango necessário…
À MARGEM
Quem também perdeu, no caso de que ao lado se fala, foi muita comunicação social e a generalidade da legião de comentadores. Chegou-se ao ridículo ou absurdo de afirmar que Costa, com maioria absoluta numa legislatura a mais de três anos do seu termo, o que pretendia era que Marcelo dissolvesse o Parlamento – para haver eleições antecipadas em que, com o Governo num péssimo momento, quase de certeza a perderia, se não perdesse a própria eleição…
E uma pergunta que não vi formulada: como, quem, arranjaria Costa para substituir Galamba no ministério com a TAP às costas?
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