De repente, por acaso ou talvez não, o vencedor dos Oscars de 2023 tornou-se uma boa síntese dos principais problemas do mundo e, por isso, escolhemo-lo para título destas linhas. Tudo em todo o lado ao mesmo tempo pode vir mesmo a ser um excelente adágio para captar o l’air du temps e, de alguma forma, combater as vozes que tendem a oferecer soluções rápidas e indolores para questões demasiado complexas. Infelizmente, nada disto diz respeito a universos paralelos, como os ficcionados no filme: da paz à desigualdade, da transição enérgica às alterações climáticas, quase todos os problemas que, neste momento, a Humanidade enfrenta não são resolúveis com respostas simples. De facto, requerem muitas soluções concertadas, ou seja aplicadas simultaneamente em vários locais – lá está, tudo, em todo o lado, ao mesmo tempo.
Vem isto a propósito de esta semana ter saído o sexto relatório do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC), o qual, em bom rigor, não traz novidades e apenas acentua a intensidade dos apelos dos cientistas e dos responsáveis políticos. O secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres – que já na Cimeira do Clima de novembro passado não se tinha poupado a dramatismos ao falar “numa autoestrada rumo ao inferno, com o pé no acelerador” –, disse que este relatório “é um apelo para se acelerar massivamente os esforços climáticos de todos os países e setores em todos os prazos”. “O nosso mundo precisa de ação climática em todas as frentes: tudo, em todo o lado, ao mesmo tempo”, acrescentou Guterres, aludindo diretamente ao filme realizado por Daniel Kwan e Daniel Scheinert.
Do lado da Ciência, é o “agora ou nunca”. Já não existem eufemismos nem palavras suaves para falar sobre o assunto: “Há uma janela de oportunidade que se está a fechar, rapidamente, e que garantiria um futuro habitável e sustentável para todos.” “As alterações climáticas são uma ameaça ao bem-estar humano e à saúde planetária”, lê-se ainda no documento-síntese de 36 páginas. Dificilmente conseguiremos limitar o aumento da temperatura a 1,5 °C, e, até ao final do século, o mais provável é não ficarmos sequer abaixo dos 2 °C. Há evidências de que a atividade humana provocou o aquecimento global. Os incêndios, as inundações e todos os fenómenos extremos são consequência dessa ação e afetam, de forma desproporcional, os países que menos contribuíram para essa situação.
Podemos continuar a ignorar os alertas, a achar que não há, no dia a dia de cada um de nós, escolhas a fazer e que podem contribuir para um mundo mais sustentável. Sabemos bem que esta é a pior herança que deixamos às gerações vindouras, aos nossos filhos e netos. Num contexto de guerra e de crise inflacionista, torna-se, porém, muito pouco expectável que as comunidades se concentrem em problemas de segunda ordem, como os que dizem respeito ao ambiente e às alterações climáticas. É mais do que compreensível que, de manhã, ao acordar, as pessoas se preocupem antes com o que vão comer e com o que vão dar de comer aos filhos, hoje, amanhã e depois de amanhã. É trágico, mas em primeiro lugar está a sobrevivência diária, o esforço para esticar o dinheiro até ao fim do mês, e só depois vêm as urgências ambientais e o fim do planeta.
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