1. A situação e o clima político portugueses continuam “infetados” pela constante sobreposição do secundário face ao essencial, do acessório face ao de fundo, do adjetivo face ao substantivo, da boca face ao argumento. Há, com frequência, uma pequena, e em geral baixa, guerrilha partidária, não um debate elevado, ou pelo menos sereno, dos principais problemas do País. A maior responsabilidade é de tantos políticos que nisso incorrem, e de tantos média que dão enorme dimensão/projeção ao que não o justifica.
Mas não vou por aqui, que me levaria a outra questão, sobre a qual deixo uma só nota: se o Estado não tomar – o que creio ser um dever na defesa de uma democracia saudável – medidas de apoio aos órgãos de informação de qualidade, como faz em relação a outros setores, é muito provável que pelo menos a boa imprensa escrita esteja, mais a curto do que a longo prazo, condenada à morte. Adiante, pretendi apenas dar o contexto em que se insere hoje parte da política à portuguesa.
2. A visita de Estado a Portugal do Presidente do Brasil, Lula da Silva, de 22 a 26 de abril próximo, é um acontecimento a todos os títulos da maior relevância. Há décadas que luto e escrevo a favor da aproximação/colaboração máxima entre os dois países e no quadro da “lusofonia”; e nos últimos meses abordei aqui a situação dramática causada por Bolsonaro – para o Brasil, a democracia e as relações luso-brasileiras –, bem como o que significou a vitória de Lula nas presidenciais. Não voltando a tudo isso, o que importa é que a sua visita dê os frutos que se esperam no restabelecimento e no desenvolvimento de ações concretas, a nível bilateral e da CPLP. Já se fez muito mais do que se está a fazer, inclusive no domínio essencial da língua e da cultura. Assim, e quando Portugal e o Brasil têm os presidentes e os governos que têm, impõe-se recuperar o tempo perdido e avançar resolutamente rumo ao futuro desejável.
Para isso, é secundário se Lula fala ou não no Parlamento na sessão comemorativa do 25 de Abril. Poderá haver razões atendíveis para que não fale – o que até o poupará a ter de ouvir certos discursos… O essencial é que seja aí recebido e intervenha numa sessão no plenário, inclusive convocada especialmente para o efeito. Além de tudo o resto, que é o mais decisivo… (Em relação à CPLP, devia ser tratada a imprescindibilidade de a Guiné Equatorial deixar de lhe pertencer, para o que Lula condenavelmente contribuiu).
3. O Governo apresentou, para discussão pública, um conjunto de propostas de medidas do Programa Nacional de Habitação. Com o objetivo de aumentar a oferta e diminuir o custo, sobretudo através de novas regras para o mercado de arrendamento, agora inacessível à grande maioria dos que precisam de uma casa para viver. Trata-se de uma necessidade básica e de um dos problemas de mais difícil e complexa resolução: não há nenhuma receita segura, muito menos mágica ou consensualmente aceite, em especial quando os recursos não abundam e a situação económica é tão preocupante como hoje. Assim, o plano do Governo é, como não podia deixar de ser, contestável e discutível – e por isso está em discussão… Além de algumas medidas serem de difícil formulação legislativa (não se esqueça isso…), outras serão polémicas, inexequíveis em alguns aspetos, mesmo desfocadas ou erradas.
Perante tal realidade, surpreende certa abordagem preconceituosa, na linha de condenar, por princípio, tudo o que vem do Governo, em vez de – sem prejuízo de um juízo valorativo geral – uma análise cuidada e propostas de soluções diferentes. Surpreende que os partidos à esquerda do PS condenem o plano por conservador e pouco ousado, mormente em relação aos prédios devolutos, e os partidos à direita do PS o condenem exatamente pelas razões contrárias…
Mas o que mais surpreende e constitui expressiva amostra de uma primária e lamentável forma de fazer política é o líder do maior partido da oposição dizer que as propostas do Governo revelam “um primeiro-ministro na sua faceta de sobrevivente e de comunista” (sublinhado meu). Voltamos ao pior do passado?
TRÊS PERGUNTAS
1) Leio, num título de jornal, que em mais uma manifestação promovida pelo STOP, professores “encenaram o enterro da escola pública”. É só encenação?
2) No dia em que se completou um ano sobre a invasão da Ucrânia pela Rússia, no Parlamento houve um minuto de silêncio por todos os mortos na guerra. O PCP esteve ausente. Ruidosamente?
3) Como é possível que organismos do Estado não paguem aquilo que devem, até a empresas em grandes dificuldades financeiras, e até deixem de responder aos que pretendem receber aquilo a que têm direito?
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