A 1 de setembro de 2014 foi implementada em Portugal a reconformação da organização judiciária estabelecida pela Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto, que tinha como um dos seus principais escopos a implementação de mecanismos que permitissem uma melhor e mais eficaz gestão dos meios e recursos materiais e humanos afetos aos tribunais.
A comarca, redimensionada em função de uma nova matriz territorial, passou a ter um novo modelo de gestão, tendo em vista uma maior autonomia e que lhe permitiria, designadamente, a adoção de práticas gestionárias por objetivos.
O modelo de gestão adotado para cada tribunal judicial de 1.ª instância passou a assentar num conselho de gestão, centrado na figura do juiz presidente, mas com uma estrutura tripartida, composta por este último, nomeado em comissão de serviço por escolha do Conselho Superior da Magistratura, por um magistrado do Ministério Público coordenador, nomeado em comissão de serviço pelo Conselho Superior do Ministério Público, que dirige os serviços do MP na comarca, e por um administrador judiciário, também nomeado em comissão de serviço pelo presidente do tribunal, por escolha de entre elementos propostos pelo Ministério da Justiça, através da Direção-Geral da Administração da Justiça.
Volvidos que estão oito anos da sua implementação no terreno penso que é o momento para se proceder a uma avaliação do modelo adotado e aferir se através do novo modelo foram atingidos os objetivos que lhe subjazeram.
Não existe no País e, designadamente, na área da justiça, uma cultura de avaliação das reformas implementadas, essencial a uma correta aferição da convergência entre aquilo que é a implementação de uma reforma e os princípios que a informaram e, por outro lado, para que se possam efetuar as correções necessárias em caso de desvio.
Importa, assim, responder a um conjunto de questões:
A prática dos conselhos de gestão das comarcas tem obedecido aos princípios de uma gestão moderna, com pensamento estratégico, que aproveita as potencialidades decorrentes de uma autonomia de gestão de proximidade para dimensionar o sistema judicial não apenas numa visão quantitativa, mas essencialmente qualitativa, com capacidade de influenciar positivamente os que trabalham no sistema de justiça, de os motivar, ou se pelo contrário perpetuou o modelo burocrático caraterizado pela impessoalidade, pela rigidez do sistema e pela aversão à mudança que se pretendia com a reforma contrariar?
Será que a relação de gestão tripartida dos tribunais de 1.ª instância, juiz presidente, magistrado do MP coordenador e administrador judiciário tem assentado no princípio de cooperação, tal como preconizado no RLOSJ ou, ao invés, a implementação tem levado a um modelo em que se evidenciam desequilíbrios entre os três elementos do órgão de gestão e em que prevalece e acentua a preponderância de um dos elementos, com consequências nefastas na gestão de recursos e meios?
O Conselho Consultivo tem contribuído para uma maior aproximação dos cidadãos ao tribunal, pela sua dimensão representativa, enquanto “interface” expedito e eficaz a quem possam ser transmitidas as preocupações e anseios dos cidadãos em geral e que possam sinalizar situações negativas que ocorram e constituir um promotor e potenciador da melhoria da qualidade de resposta do sistema de justiça e da aproximação às expectativas dos cidadãos ou a sua existência resume-se ao cumprimento do formalismo de reunir periodicamente, sem dele derivar qualquer sinergia positiva relevante?
A nossa perceção é de que o modelo implementado está ainda longe de obedecer aos cânones da reforma, quedando-se por um acentuar da componente burocrática, pela estanquicidade, pela resistência à mudança, pela redução ou limitação dos objetivos estratégicos à quantidade e não à qualidade da resposta, por elevados desequilíbrios nos órgãos de gestão com graves prejuízos, designadamente, para o Ministério Público.
Entendo que decorridos estes anos é altura de internamente, ao nível dos conselhos superiores das magistraturas, e externamente, ao nível da tutela, proceder-se a uma criteriosa e adequada avaliação do novo modelo de gestão de comarcas e, após a mesma, introduzirem-se os ajustamentos que vierem a ser necessários, de forma a que exista uma convergência entre a realidade e os princípios da reforma.
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