Houve cabidela mas com um travo demasiado amargo. Durante a campanha eleitoral, o Presidente João Lourenço (JLo) afirmou aos seus apoiantes que iria comer este petisco, ironizando que a vitória sobre o maior partido da oposição – UNITA ou Movimento do Galo Negro – estava no papo. Acertou no desfecho, enganou-se nos respetivos ingredientes. O MPLA, apesar da maioria absoluta no Parlamento, perde a hegemonia que manteve desde a independência e sofre a humilhação de receber quase metade dos votosdo adversárioem Luanda. Quanto à formação chefiada por Adalberto Costa Júnior, obteve os melhores resultados desde que o país celebra eleições gerais multipartidárias (1992) e passou a dispor de uma bancada parlamentar constituída por 90 deputados, mais vinte do que ocorreu há três décadas quando Jonas Savimbi ainda estava na liderança e o escrutínio não serviu de nada – a guerra civil iria prolongar-se até 2002.
Tal como se previa, estas quintas eleições gerais multipartidárias de Angola foram as mais renhidas de sempre e, partindo do pressuposto que não haverá sobressaltos nem instabilidade nos próximos tempos, os desafios do MPLA e do chefe de Estado reeleito são imensos. A começar pelo facto de terem multiplicado promessas, algumas dificilmente concretizáveis, durante a campanha. Esse caderno de encargos (combate à pobreza, autosuficiência alimentar, investimentos milionários na saúde e na educação) assumido por João Lourenço vai depender muito mais da situação económica global do que da vontade do homem que sucedeu a José Eduardo dos Santos e que irá manter-se no Palácio da Cidade Alta até ao verão de 2027. Mesmo que os preços do petróleo joguem a favor e se mantenham as perspetivas otimistas de crescimento anunciadas pelo FMI e Banco Mundial, Angola está numa delicada situação financeira. Após cinco anos de recessão (2016-2020), devido à queda do crude e depois com a pandemia, JLo e o seu Governo tiveram de reestruturar a dívida nacional (detida maioritariamente pela China) e impor um programa de austeridade que agudizou o descontentamento e as dificuldades da população, algo que ficou bem patente na ida às urnas a 24 de agosto. Nas últimas semanas, o candidato do MPLA nem se deu ao trabalho de explicar como pode financiar o gigantesco plano de obras públicas que pretende lançar já nas próximas semanas. No outono de 2017, semanas depois de receber o testemunho do seu antecessor no cargo, acusou-o de ter deixado vazios os cofres do Estado. Agora a situação não é muito melhor e a liquidez para manter a paz social e reduzir os imcomportáveis níveis de desemprego constitui um enorme desafio. Os jovens foram essenciais à ascensão eleitoral da UNITA e os deputados do Galo Negro não vão desperdiçar nenhuma oportunidade de criticar os erros e os opacos processos de decisão do futuro Executivo do MPLA. Mas não só.
A derrota em Luanda, do partido que está ininterruptamente no poder há 47 anos, pode ter sido simbólica, mas não foi a única. As províncias do Zaire e de Cabinda também penderam para a oposição. No caso do enclave que garante mais de metade do orçamento e 90 por cento das exportações de Angola, trata-se de uma situação ainda mais delicada. Este território de 7 290 quilómetros quadrados, simultâneamente um dos mais pobres do país e principal abonador das arcas do Estado, é palco de um conflito separatista sem fim à vista. Adalberto Costa Júnior e João Lourenço não dedicaram qualquer palavra de esperança à província que muitos consideram o Kuwait africano. A histórica Frente de Libertação de Cabinda (formada em 1963) pode parecer uma organização independentista anacrónica e sem líder (desde a morte de Henqique N’Zita Tiago, em 2016), mas cometeu a proeza de realizar meia dúzia de ataques que terão provocado mais de 30 baixas mortais, entre as forças armadas, nas duas últimas semanas. Viver com o salário mínimo nacional, 32 mil kuanzas (74 euros), é tão difícil em Luanda como no Cacongo e em Cabinda. O mesmo se aplica ao Dundo e ao Saurimo, capitais das Lundas, onde as populações definham, apesar da próspera indústria diamantífera.
Nasce um angolano a cada dois minutos e, em 2034, segundo a ONU, o país vai ter mais de 50 milhões de habitantes
Por outro lado, como se não bastasse, o MPLA e João Lourenço não podem continuar a ignorar um outro problema: a bomba demográfica. Angola é dos países com maior crescimento populacional do planeta (3,3%/ano) e, segundo as Nações Unidas, essa tendência deverá manter-se inalterada até ao final do século. A taxa de mortalidade (71,5 óbitos em cada mil nascimentos), costuma ter grande destaque mas, por norma, omite-se a de natalidade: cada angolana, em média, tem 5,5 filhos, cifra só superada por alguns outros países africanos, como o Chade e o Níger. De acordo com a UNICEF, nasce um angolano a cada dois minutos e, já em 2034, o país vai ultrapassar a barreira dos 50 milhões de habitantes. A este ritmo e dado que quase metade da população vive com menos de dois euros por dia, como é que João Lourenço pode ser bem sucedido?