Quem lida de perto com vítimas de abusos sexuais sabe bem o que é o efeito da panela de pressão. Os traumas são de tal maneira profundos que é muito difícil convencer uma pessoa a falar, em vez de deixar guardados numa gaveta interior e para sempre esses momentos sombrios. Dar voz ao silêncio – tem sido esta a missão da Comissão Independente para o Estudo de Abusos Sexuais contra Crianças na Igreja Católica, a funcionar desde janeiro e constituída por alguns dos mais reputados especialistas no assunto. A esperança consiste na ideia de que, uma vez desbloqueadas essas duras memórias, o sofrimento possa dar lugar à verdade e de que esta tenha algum poder de apaziguamento: Não estou sozinho, não fui o único a quem isto aconteceu, não quero que isto volte a acontecer a outros. A vergonha não é minha, antes pertence aos que de mim abusaram.
O efeito da panela de pressão também nos diz que, após a divulgação de alguns testemunhos, é natural que outras vítimas também decidam falar, dando voz ao silêncio. Foi assim que, recentemente, se desenvolveu o movimento #metoo, o qual, para lá de todas as polémicas, teve o enorme mérito de chamar a atenção para o modo como, durante anos e anos, o assédio foi tolerado e ignorado, sobretudo no mundo do trabalho. É também por isso que, agora, cada vez mais vítimas de abusos sexuais cometidos em ambientes eclesiásticos têm revelado o seu caso, tenha este ocorrido há meses, anos ou décadas. Até ao final de julho, a comissão independente já contava com 365 testemunhos recolhidos.