Já vivemos muitas crises, mas nenhuma como esta. O problema não está na gravidade, mas sim na incerteza, por estamos perante algo tão atípico. Vivemos um período de desaceleração, depois de o crescimento ter esticado após a libertação das limitações da pandemia. No entanto, estamos ainda a viver, ao retardador e a velocidades diferentes, o impacto de medidas tomadas há cinco, dois e um anos.
Com a inflação controlada como esteve nos últimos anos, a grande prioridade foi colocar a economia a mexer. Os bancos centrais colocaram todas as fichas no crescimento económico, dopando os mercados financeiros, mesmo que não tenhamos visto, por cá, esse grande aumento do PIB que se poderia esperar. Esse é um dos primeiros paradoxos: essa injeção massiva de dinheiro nos mercados financeiros – com compra de ativos e políticas de juro zero ou negativos – não chegou necessariamente à economia, ou pelo menos não deixou um legado transformador que nos pusesse, agora, numa posição confortável. Esse dinheiro barato, disponível e aparentemente infindável, alimentou bolsas específicas: os ativos financeiros (das ações às criptomoedas) e o imobiliário, sobretudo.
Com a pandemia, a resposta foi meter ainda mais “carne no assador”, para impedir o colapso das economias. Os que já beneficiavam engordaram artificialmente, os governos tiveram luz verde para gastar, o mundo parou, mas ficou ligado à máquina, graças a esses essenciais apoios.
Terminadas as restrições da pandemia, o disparo da procura foi tal que encontrou uma oferta “descalça”: das companhias aéreas ao fornecimento de petróleo, passando pelo transporte marítimo, tudo engarrafou e limitou a sustentação da retoma.
E depois… o senhor Putin decidiu ir para uma guerra impensável, com as consequentes sanções internacionais, rebentando com os mercados de energia, alimentos e fertilizantes. A inflação, que durante demasiado tempo os responsáveis – sobretudo do BCE – classificaram de transitória, veio para ficar, o euro afunda (tornando as nossas importações muito mais caras) e o que se falava nos jornais e nos fóruns de política monetária chega ao bolso das pessoas.
O que torna esta crise tão diferente é que o pessimismo chega, mas estamos com um mercado de trabalho altamente robusto. Os preços aumentam, mas os salários não conseguem minimamente acompanhar. Estamos a subir juros agressivamente não para arrefecer a economia (como é costume), mas num momento em que esta trava por si. Se a teoria habitual diz que os juros se sobem para tentar travar a inflação e para reduzir o ritmo da economia, de forma suave, desta vez o objetivo é travar a inflação. Ponto final.
Com dois problemas: tornou-se aceitável uma recessão e destruição de riqueza e emprego, em nome da descida dos preços; e a raiz da inflação é sobretudo uma questão de oferta nos produtos energéticos (na base), não sendo claro se um maior custo do dinheiro (via juros) vai resolver o problema.
Os fenómenos económicos dos últimos anos foram tão atípicos e tão extremos (pandemia, guerra, e reações de políticas públicas a ambas), muitos deles com efeitos indesejados e não previstos, que os livros não trazem uma forma clara para resolvê-los.
Pior do que uma crise é toda a incerteza que nos rodeia. Como um barco rodeado por vagas enormes, desordenadas e incessantes, com cada uma a ampliar perigosamente o movimento do casco.
Esperemos que os responsáveis políticos e económicos consigam resolver isto. Mas sejamos claros: esta mistura de fatores nunca aconteceu assim e eles também estão a navegar à vista.