Impressionou-me o relato de um oncologista do IPO do Porto que, aos 33 anos e depois de um burnout, decidiu colocar de lado o estetoscópio. E impressionou-me porque ser médico significa ter média de 18 ou 19 valores no ensino secundário, seis anos de curso, mais uns tempos para a especialização, mais exame à Ordem. Ou seja, tempo mais do que suficiente para perceber se gostamos ou não do curso, da profissão que escolhemos. Ainda por cima uma área que tanto respeito, e onde acredito, só se consegue trabalhar por vocação. No depoimento percebe-se que este homem gosta verdadeiramente da profissão que agora abandona.
Então porque abandona? Talvez porque, como o próprio diz, “começar a trabalhar é um choque de realidade”. No caso deste médico o choque deu-se num setor com contornos conhecidos e que aqui já tenho falado. Por isso, vou aproveitar a afirmação para abordar um outro tema que começa a ser preocupante no país: a falta de trabalhadores.
As estatísticas falam numa taxa de desemprego na ordem dos 6,1%, dados do INE em maio, mas a realidade mostra que há ofertas de emprego, que não existem pessoas para ocupar os postos de trabalho, por exemplo na restauração, na agricultura, na construção, na grande distribuição, no ramo do frio e climatização. No caso da restauração, que agora entra em época de aumento de turismo, a falta de mão-de-obra poderá afetar a recuperação do setor pós-pandemia. Na agricultura que agora está em velocidade cruzeiro, com a colheita de produtos hortícolas ou de frutas, a falta de mão de obra irá significar desperdício e perda de colheita parcial, pois fica nas árvores ou na planta. No setor da construção, onde os constrangimentos se estendem também à subida das matérias-primas, os responsáveis apontam para a falta de cerca de 80 mil trabalhadores. No setor da distribuição uma visita aos espaços e percebemos que estão em recrutamento constante.
Havendo postos de trabalho por preencher e uma taxa de desemprego o que está menos bem? A começar a falta de produtividade. Isto é, geramos pouca riqueza por hora de trabalho, o que se traduz em salários baixos e o não acrescentar valor ao que fazemos. A falta de habilitações literárias é outro problema. Temos um ensino obrigatório que vai até ao 12.º ano ou aos 18 anos, mas… falta fermento. Falta percebermos e darmos valor aos cursos técnicos de nível secundário que oferecem formação geral, sociocultural, científica e formação tecnológica profissional, e garantem o diploma do ensino secundário e qualificação profissional de nível III. E, são cada vez mais as empresas que optam por contratar profissionais com uma especialização mais prática, direcionada e técnica para os mais diversos cargos profissionais.
O ensino técnico-profissional tem ainda a mais-valia de os estudantes acabarem os estudos já com uma profissão, mesmo que queiram fazer posteriormente uma formação superior.
Se olharmos para países como a Alemanha ou a Holanda percebemos que o segredo está na formação de base. Nestes países ter-se um ofício, dizer-se “sou carpinteiro”, “sou alpinista industrial”, “sou serralheiro”, “sou empregado de mesa”, “sou tratorista” é vocalizado com orgulho. Por cá, temos falta de mão de obra especializada e não sabemos acrescentar valor ao que produzimos. Então, porque não olhar para os exemplos de outros países e reproduzir por cá? Porque não apostar de uma vez por todas no ensino técnico profissional em vez de fomentarmos a “via ensino”?
Parece que temos de andar sempre na via com mais curvas, na mais sinuosa. Outro exemplo, de como bastaria olhar para fora para fazer por cá, tem a ver com a mobilidade, um tema tão em voga nos últimos dias.
Ninguém dúvida que necessitamos de um novo aeroporto, mas será necessário construir de raiz um aeroporto? As bases do Montijo ou de Monte Real ou o aeroporto de Beja não serão suficientes para receber o “tráfego em excesso”? E se apostássemos nos comboios? Se ligássemos a porta de entrada na Europa às capitais nacionais e grandes cidades do velho continente por bitola europeia e apostássemos na alta velocidade? Para além de podermos tomar pequeno-almoço em Lisboa, almoçar em Madrid e jantar em Berlim, a aposta na ferrovia iria com toda a certeza contribuir para que a União Europeia alcance as ambiciosas metas de neutralidade carbónica até 2050.
Acredito que se há investimentos estratégicos para realizar em Portugal um deles é ao nível da alta velocidade, até porque, para além de potenciar o turismo, pode transportar mercadorias e o tão desejado crescimento económico de um país que teima em ser o fim da Europa e não se impõe como porta de entrada.
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