A procurar uma revista antiga, encontro o n.º 2 dos Cadernos de O Jornal, 100 pp. grande formato, com nove entrevistas, quatro com os líderes dos maiores partidos e cinco com figuras destacadas do MFA – entrevistas feitas por mim, todas, com outros camaradas variando de umas para outras.
Data: abril de 1976, em vésperas das primeiras legislativas. O Caderno, creio que um bom exemplo de jornalismo. E o conjunto das entrevistas, um expressivo “retrato” da época e do pensamento dos históricos líderes políticos daqueles partidos: Mário Soares (PS), Francisco Sá Carneiro (PPD), Álvaro Cunhal (PCP) e Freitas do Amaral (CDS). Um “naipe” irrepetível de hoje considerados, uns mais do que outros, fundadores da nossa democracia, com um nível e uma liderança globalmente até hoje não igualados.
Ao ler essas entrevistas, a dias de mais uma mudança de liderança no PSD, ocorreu-me pensar em até que ponto os ditos partidos, no presente, defendem o que, no passado, os seus líderes históricos definiram como posicionamento e objetivos. Reconhecendo e salientando, à partida, que em toda a política nacional se caminhou mais para a direita (esquematizo, do que não gosto, mas neste espaço tem de ser…), quanto ao essencial vejamos, telegraficamente.
Mário Soares defendia então um socialismo democrático mais avançado do que hoje o PS propugna. Mas o PS atual, liderado por António Costa, continua a afirmar-se de esquerda, socialista/social-democrata, defendendo os mesmos princípios básicos.
Álvaro Cunhal defendia o comunismo, de forma muito “ortodoxa”, que não acompanhara a evolução de outros partidos comunistas europeus. Com certas inevitáveis adaptações, não há dúvida quanto à permanência do PCP na mesma posição e na linha da “herança” de Cunhal.
Freitas do Amaral defendia o que o nome do partido sintetiza: Centro – Democrático – Social. Um partido centrista, europeísta, não populista, civilizadamente conservador. Com o qual (quase?) nada tem a ver o que hoje lhe mantém o nome: a sua destruição, aliás, remonta já à dupla, depois desavinda, Manuel Monteiro/Paulo Portas. Que até lhe mudou o nome para PP: muito bem, impróprio foi manter o antigo…
Francisco Sá Carneiro defendia a social-democracia. Com vigor e sem paninhos quentes para o capitalismo puro e duro ou o liberalismo. Recusando ser o PPD “conservador”, cito da referida entrevista: “O nosso programa é social-democrático avançado, em relação, por exemplo, ao programa do SPD alemão – e, portanto, isto afasta qualquer deturpação que se queira fazer.”
Recorde-se que o programa do PPD inscrevia como objetivo “instaurar progressivamente uma sociedade socialista em liberdade”. Assim, o PPD quis entrar para a Internacional Socialista, o que só não se concretizou por oposição do PS – e, quando pôde, o PPD assumiu-se como social-democrata, passando a ser PSD.
Ora, num partido em que como em nenhum outro o seu líder histórico é evocado, citado, “utilizado”, onde está o que ele defendia quando fundou o partido – e depois, como em abril de 1976, já não no PREC nem sob qualquer tipo de pressão “revolucionária”, dois anos após o 25 de Abril e cinco meses após o 25 de Novembro?
Fica a pergunta, cuja resposta não me parece suscitar grandes dúvidas, em vésperas de mais uma eleição para líder do PSD. Com dois candidatos em que, esquematizando de novo: um, Moreira da Silva, parece pretender situar-se ao “centro”, visando atrair a direita, mas recusando entendimentos com a extrema-direita; o outro, Luís Montenegro, parece situar-se, sem o afirmar de forma explícita, mais à direita (centro-direita?), querendo “federar” todos os “não socialistas”, sem excluir a tal extrema antidemocrática. Esta, a este nível, a aparente diferença entre ambos.
Mas, em ambos, e nos seus programas, onde está a defesa dos princípios e valores essenciais, de sempre, da social-democracia? Que partido social-democrata, em qualquer parte do mundo, se assume como de direita, ou mesmo centro-direita, e não como de centro-esquerda, ou mesmo esquerda? Creio que esta questão não pode deixar de ser ponto decisivo na reflexão que todos no PSD entendem necessária.
À MARGEM
Os dois candidatos
Entre Moreira da Silva e Luís Montenegro há, seguramente, diversas outras diferenças, além da sugerida no texto, mas que neste não “coube” referir. E há, decerto, muito mais semelhanças – incluindo a de ambos terem sido colaboradores diretos de Passos Coelho: MS o seu n.º 2, com presença mais discreta e talvez mais pensada e equilibrada; LM o fogoso líder parlamentar que ajudou à missa do anúncio da vinda do Diabo – com a Geringonça. Uma nota final de aplauso para Pinto Balsemão, militante n.º 1 do PSD, que trocou a comodidade de não tomar posição pela frontalidade de apoiar um dos candidatos