1. “Não dá para fazer milagres sistemáticos (…). Neste momento, estamos a fazer omeletes com poucos ovos. Um dia não dá para fazer omeletes sem ovos.” As palavras, já as terão reconhecido, são de Marcelo Rebelo de Sousa e sintetizam a sua mais recente e justíssima cruzada: defesa de reequipamento, revalorização e reforço das nossas Forças Armadas. Convenhamos que o diagnóstico é certeiro e que o timing para o fazer não pode ser o mais adequado. A invasão russa na Ucrânia veio acordar-nos de um longo e enganador sono de paz perpétua na Europa. Aquilo que, durante tempo demais, demos por adquirido – a paz – é, afinal, tão frágil como sempre foi, e a sua defesa readquire uma centralidade que nos habituamos a recusar. Nos escombros dessa falácia, o que fica à vista não é bonito: umas Forças Armadas desmoralizadas e mal equipadas, que só mesmo a longa letargia de um interlúdio de paz tem permitido esconder. Chapeau, Presidente, dir-se-á, portanto.
Sucede que estas palavras do Presidente da República têm um pequeno problema. Certíssimas, oportuníssimas, a verdade é que podiam ter sido ditas, ipsis verbis, a propósito de qualquer outra das grandes funções do nosso Estado. Não é difícil imaginá-las, dirigidas à espantosamente reempossada ministra da Saúde, na boca de um chefe de serviço demissionário de um qualquer serviço de urgência hospitalar por esse País fora. Tão pouco é inconcebível ouvi-las vindas de um professor esgotado com a falta de meios ou com os labirínticos desmandos que brotam do Ministério da Educação. Ou de um juiz exasperado em frente ao enésimo recurso de um qualquer megaprocesso, com a plena consciência de que a falta de meios para o analisar em tempo útil o torna um agente de denegação de uma Justiça de que era suposto ser o garante. E a lista poderia continuar.