Tinha a minha filha 1 ano quando apanhou escarlatina. Febre a rondar os 40 graus, pele avermelhada, coceira pelo corpo todo e o descanso só veio com as palavras da pediatra: “É como uma amigdalite mais forte. Começa hoje a tomar o antibiótico e amanhã já estará muito melhor.” Mas quando por acaso falei nesse dia com a minha avó e lhe contei da escarlatina, ela começou a chorar: “A minha rica menina…” Calma, avó, quase ninguém morre de escarlatina. Um antibiótico e já está…
Só depois me ocorreu: quantas crianças terá a minha avó visto morrer vítimas desta doença? Quantas conheceu ela com sequelas desta doença altamente contagiosa com uma história de epidemias por todo o mundo (sequelas graves como problemas de coração)?
Antes de haver antibióticos, a sua taxa de mortalidade atingia os 20%. Em alguns locais, entre as crianças, a taxa subia para os 50%. No século XIX e início do século XX, era uma doença temida que se propagava com a mesma facilidade da Ómicron: respirando.
Nos anos 1940, a escarlatina (causada pela bactéria Streptococcus pyogenes) começou a desaparecer. Anos antes, em 1928, no meio de uma pesquisa sobre estafilococos), o médico britânico Alexander Fleming descobria a penicilina.
De vez em quando ainda há surtos de escarlatina e em anos recentes foi registado um aumento grande de infeções no Reino Unido. Seja como for, a mortalidade é inferior a um por cento e o tratamento é geralmente eficaz. Até hoje não existe uma vacina. O site do SNS24 chama-lhe “doença benigna muito comum na infância”.
Já não tenho a minha avó, mas guardo as memórias que ela me passou. Como ser mãe no Portugal rural dos anos 50 sem a vacina da poliomielite para dar aos filhos. Ou a do sarampo, rubéola, a das hepatites… Ou mesmo as da BCG, tosse convulsa e difteria, que foram inventadas nos anos 20, mas, em Portugal, a inoculação era baixíssima até 1965, ano da implementação do Programa Nacional de Vacinação.
Agora, quando vejo certas doenças antes erradicadas (ou quase) a recrudescer, como o sarampo ou a tosse convulsa, em países desenvolvidos mas onde há resistências à vacinação (caso do Reino Unido), ocorre-me que a memória (ou a falta dela) é um elemento essencial.
Os pais que escolhem não vacinar os seus filhos beneficiam da escolha dos pais que decidiram levar as crianças à vacinação – usufruem da imunidade de grupo e até a usam para se justificar: “O meu filho não precisa da vacina porque tal doença já nem existe ou é raríssima.”
Mas será que é mesmo necessário termos vivido as coisas para nos lembrarmos delas? Afinal, os livros de História servem para quê? À falta deles, perguntem aos avós. Eles contam como foi.
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