Só agora consegui ver Catarina e a Beleza de Matar Fascistas, a peça que continua em digressão pelo País e que, inteligentemente, nos põe a pensar sobre os valores da justiça, da tolerância e da liberdade. O encenador Tiago Rodrigues – agora a caminho da direção do Festival d’Avignon – acertou em cheio ao juntar, num só espetáculo, toda a mescla de argumentos e dilemas com que se confrontam os que recusam os julgamentos sumários, as culturas de cancelamento e as certezas absolutas, os quase-aliens que se permitem duvidar, dispensando sentenciar tudo e todos – mesmo que isso, na lógica do jogo polarizado, signifique uma perda substancial nos seus “índices de popularidade”.
Se regresso a Catarina e a Beleza de Matar Fascistas é por causa da entrevista de Paulo Rangel, presumível candidato à liderança do PSD, depois das eleições autárquicas. Não costumo ver o Alta Definição (SIC) nem sou apreciadora do estilo do programa, mas parece-me admirável a forma corajosa como o eurodeputado se expôs – e não me refiro apenas ao que disse sobre a sua homossexualidade. O testemunho também é corajoso porque Paulo Rangel se dispôs a assumir todas as fraquezas, pondo as suas fragilidades à vista de todos. Com serenidade, Rangel falou da morte dos pais, dos problemas de peso, do processo de aceitação da homossexualidade, da relação com Deus e com a Igreja Católica, do apoio médico de que precisou numa certa fase da vida. Juntando-se a Adolfo Mesquita Nunes, a Graça Fonseca e a André Moz Caldas, Rangel não foi o primeiro político português a assumir a sua orientação sexual – e não há de ser o último. Como figura pública, o seu exemplo é muito importante para que outros, com tanta visibilidade ou não, de esquerda ou de direita, católicos ou protestantes, também possam viver sem estigmas.
Tal como no teatro, houve quem criticasse o coming out de Paulo Rangel. É evidente que a vida privada dos políticos tem interesse apenas e só na medida de uma eventual dissociação entre o comportamento privado e o discurso público. Na comunidade LGBTI, também se compreende que haja quem lamente que Rangel não tenha disposto do seu palco privilegiado para defender os direitos de outros sem tantas condições. No mercado dos votos, não é provável que a entrevista tenha grande impacto; teatro e vida real não são a mesma coisa. Mesmo que, entre nós, o terreno da luta política continue a ser relativamente suave e conservador, os não ditos e o que fica por dizer continuam a pesar. “Ando aí a ser alvo de umas campanhas negras por causa da minha orientação sexual”, afirmou o eurodeputado, sem se referir a uma recente manchete do jornal Tal & Qual. Numa lógica de defesa preventiva, as revelações enquadram-se num contexto de preparação de uma candidatura, uma ambição mais do que legítima. Expondo as suas forças e as suas fragilidades, Rangel apresentou-se em dimensões pouco habituais para a tradição política portuguesa. Em vez de sentenciada, essa coragem deve ser admirada.