Foi, está a ser, um verão fértil para o espetáculo bíblico das alterações climáticas ao vivo que preenche, na televisão, os intervalos da pandemia e da bola.
Cheias, incêndios, furacões, inundações, e já não é só nos fusos horários distantes: um fartote. E já agora, com menos cinismo, felizmente isto acontece aos olhos de uma geração muito baralhada, de exigências diferentes e justas, num tempo em que as respostas da sociedade e da política não estão preparadas para enfrentar sequer um problema que se resolve com uma vacina quanto mais com a ação concertada de blocos políticos antagónicos que dependem de energia barata para competir.
O impacto que suscitou o último relatório do Painel Intergovernamental das Alterações Climáticas não tem novidade nenhuma. Não tem nada que quem saiba ler – presume-se que alguns políticos sabem e quase todos têm quem o faça –, apenas a confirmação do que já dizia o relatório de 1991… a Ciência não mudou, o que mudou foi apenas a constatação de que o problema existe mesmo. Soluções é que ainda não temos nenhuma.
A União Europeia faz o que pode, mas, convenhamos, mesmo que fizesse tudo o que diz, era como se bastasse resolver com 10% de vacinados o problema da Covid-19, já que a União emite menos de 10% das emissões mundiais (cerca de um terço da China).
Toda a gente está de acordo, mas ninguém quer ou sabe o que fazer, porque a coisa ainda não está nos hospitais do mundo inteiro, como a pandemia.
A recentemente publicada Lei Europeia do Clima é um dos mais importantes pacotes legislativos europeus da década e, para já, a propaganda de uma alteração profunda no modo de vida dos europeus, obrigando ao cumprimento das metas da neutralidade carbónica em 2050 e da redução das emissões em 55% até 2030, foi por cá celebrada com a alegria do bobo pelo banquete do rei.
O conjunto de propostas legislativas apresentado pela Comissão Europeia terá ainda de ser discutido e aprovado, mas, a avançar, promete ter um impacto brutal em todos os setores, desde a agricultura e florestas à indústria ou energia, e agitar o paradigma económico mundial, as cadeias de produção e as prioridades de investimento.
Más notícias: para nós, agitar é eufemismo. O que vai acontecer é que desta dose que falta dos fundos estruturais, depois de estragado o PRR em obras para o Estado, outra vez, é que ou mudamos de vida ou ficamos mesmo atrás da Bulgária.
O que se prevê de mudança em cada um dos setores acima elencados choca de tal maneira com o que é a produção nacional que, olhando com frieza para o que temos e para o que aí vem, se tudo ficar como previsto, é mesmo preocupante olhar para o PSI 20, para o emprego que representa e para os ricos que corre.
A produção de cimento e papel, a construção, floresta e agricultura – enfim tudo o que mexe – vão ser obrigadas a uma necessidade de adaptação tão grande nos métodos e, sobretudo, em equipamentos e combustível que só o mais entusiasta dos ingénuos pode esperar que isto corra bem num país tão sem capital como é o nosso.
Isto dito, se for para bater a bota com a perdigota, ou seja, se, apesar de sermos um país da periferia que produz mais caro e que precisa de mais reformas que os outros para cumprir, formos de peito feito heróis deste combate global, convém reservar para ele todos os cêntimos do próximo pacote de fundos comunitários. Todos, mas todos. Tudo tem de ser dado às empresas e ao emprego, senão será o colapso. Não há mais onde ir buscar e não há outra maneira de o fazer. Se a oposição tem outro combate, não sabe o que está a fazer.
Ponham-se, outra vez, com rotundas e vão ver: desta vez, ou vem penicilina ou é morfina de vez.
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