Do debate do Estado da Nação fica-me uma sensação que posso resumir numa única palavra: bloqueio.
De um lado, temos um Governo exaurido nas suas forças, com ministros que não escondem a sua vontade de rumar a outras paragens, ministros que nunca verdadeiramente chegaram a sê-lo e ministros que mais não são do que um pesado embaraço. Pior do que isso, temos hoje um Governo sem rasgo, sem fôlego, sem qualquer vontade de reformar o que quer que seja, e que se agarra ao PRR como quem se agarra a uma lista de presentes para distribuir por várias clientelas do Estado, em vez de olhar para a oportunidade para ambicionar desbloquear uma economia que há 20 anos diverge da Europa.
Infelizmente (daí o bloqueio), o cenário não é mais animador do lado das oposições. À direita, a verdade é que não existe uma visão alternativa consistente. Há, aqui e ali, críticas pontuais, ataques conjunturais, mas ninguém verdadeiramente articula um projeto alternativo credível. De lado algum se vê crescer uma liderança convincente. A tudo isto acresce uma oposição à esquerda congelada nos equilíbrios táticos do pós-geringonça. O Bloco encenou acusações mais ríspidas, mas o tom ameno e cordato dos diálogos entre o PCP e o Governo deixa antever as bases de um acordo orçamental que afasta qualquer sinal de instabilidade. Os parceiros vão alternando no seu apoio resignado ao executivo e não almejam por muito: mais do que um projeto de esquerda, sobra uma mercearia de pedidos e concessões avulsos.
Num certo sentido, o debate do Estado da Nação foi, pois, um fiel retrato do País. É notório que existe hoje um bloqueio na sociedade. O Governo não entusiasma (a queda de popularidade de António Costa é reveladora), mas a oposição não acorda ninguém. Perante tamanho marasmo, a pátria resigna-se, espera, sem fazer grandes ondas, pela oportunidade perdida que se arrisca a ser a chuva de dinheiros europeus. É, aliás, este País bloqueado que as sondagens retratam.
Devo confessar que me parece perigosa esta (falsa) sensação de estabilidade. Intuo que é muito mais uma filha da resignação do que de uma verdadeira adesão. O descontentamento, larvar, com o “sistema” continua aí. A polarização social também. Assim como a longa frustração com uma vida sem reais perspetivas. A todos (descontentamento, polarização, frustração) vai anestesiando a promessa de um maná europeu que será mais peixe do que pesca e que se arrisca a empurrar problemas e misérias estruturais para a geração seguinte. Nada disto entusiasma, nada disto deixa adivinhar algo de muito bom.
É neste contexto que ganham particular relevância as próximas eleições autárquicas. Sobretudo porque podem ser catalisadoras de mudanças políticas. À direita, é sabido que as lideranças dificilmente ultrapassarão um desaire minimamente parecido com o de há quatro anos. À esquerda, é pouco crível que o PCP não seja obrigado a rever a sua estratégia de colagem ao Governo, se não conseguir estancar a sua longa decadência autárquica. É difícil prever com rigor os efeitos destes desequilíbrios no horizonte. E há riscos, isso é certo. Mas, nesta fase da nossa vida política, confesso-vos que prefiro o desconhecido da turbulência futura ao marasmo bloqueado deste nosso presente.
(Opinião publicada na VISÃO 1482 de 29 de julho)
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