Devemos a Suzana Garcia a verbalização explícita dos propósitos da extrema-direita na fase atual da sua afirmação: exterminar a esquerda. A extrema-direita criará todos os casos que puder, lançará a lama que puder, ateará os ódios que puder, tudo para exterminar a esquerda, tudo para decapitar a democracia. Nenhuma exegese textual – que interpreta a palavra “extermínio” como “imagem” – nem nenhuma politologia mainstream – que, de tudo isto, só acha que a expressão “extrema-direita” é um exagero – consegue negar as evidências. A extrema-direita serve para exterminar a esquerda.
Neste tempo em que a democracia e o Estado de direito se tornaram empecilhos descartáveis para os navegadores à bolina da finança, em que o desdém das regras básicas da responsabilidade para com a representação popular assumiu expressões pornográficas – os “depoimentos” de Berardo, Vieira, Vasconcellos ou Moniz da Maia na comissão de inquérito ao Novo Banco são isso mesmo –, a extrema-direita passou a ser o seu rosto político.
A intoxicação do espaço público com mentira serve para que não se veja o programa social e económico da extrema-direita e para que não se note quem e o quê a extrema-direita quer favorecer. Muito frenesim sobre “a corrupção” sem rosto, sobre “os bandidos” sem rosto, sobre “o sistema” sem rosto, tudo para que não se veja o rosto de a quem serve a extrema-direita. O silêncio da extrema-direita sobre os calotes ao BES e ao Novo Banco ou sobre a escravatura dos imigrantes das estufas de Odemira é tão ruidoso!
A extrema-direita anima o povo zangado para evitar mostrar que é aliada de quem castiga o povo sofrido. Agressividade máxima contra os ciganos, contra os reclusos, contra os afrodescendentes, contra a emancipação das mulheres para esconder a aliança máxima com quem quer destruir a saúde pública, o ensino público, a progressividade fiscal ou os direitos do trabalho.
Por isso, a luta contra a extrema-direita é uma disputa pelo apoio social e tem de ser feita em todos os terrenos onde se joga a segurança diária e o reconhecimento social de quem se sente na margem da sociedade dos triunfadores. Só políticas fortes de segurança do emprego, do salário, da pensão, da escola e do hospital tirarão chão à extrema-direita. Só políticas fortes de envolvimento de quem vive a insegurança do presente e do futuro farão frente a quem explora essa insegurança sem lhe dar outra resposta que não seja a raiva inconsequente.
Entendamo-nos, pois: argumentar com o crescimento da extrema-direita para legitimar o possibilismo ou mesmo o minimalismo das políticas que conformam os direitos e os serviços públicos que lhes dão efetividade universal é um embuste. Não serão políticas pela metade que disputarão o apoio social que a estratégia da exacerbação da raiva consegue para a extrema-direita junto do povo zangado. Só mesmo políticas de alta intensidade na educação, nos salários, na saúde, na habitação, no cuidado do espaço público, na garantia da qualidade da informação e no repúdio das discriminações terão sucesso nessa disputa.
Por isso, só uma agenda política forte de igualdade e de justiça – e não um exercício pequenino de cálculo eleitoral – responderá à estratégia de extermínio trazida pela extrema-direita e irresponsavelmente namorada por Rui Rio. O PS pode viver inebriado com a convicção de que o idílio entre o PSD e o Chega lhe dará o centro de mão beijada. E pode viver no logro de que essa conquista do centro largado pela radicalização do PSD à direita exige propostas e práticas políticas centristas. Apoiado nessa convicção/ambição, o Largo do Rato tratará de demonstrar urbi et orbi que essas políticas centristas são as que devem unir todos os que se opõem ao crescimento da extrema-direita. Puro engano e engano perigoso. O centrismo tem sido, em todo o lado, a porta de entrada da extrema-direita para o espaço do poder. Por condescendência, primeiro, e por rendição disfarçada de cooptação, depois.