1 – Com muita frequência se critica a administração da Justiça em Portugal, em geral com razão, sublinhando-se os graves problemas de que padece e a efetiva necessidade de reformas – ponto é saber quais e sobretudo como as tornar eficazes. Não parece curial, porém, falar da Justiça apenas quando comete erros, tem falhas, é de uma lentidão inadmissível; deve-se fazê-lo também quando funciona e em tempo útil. Daí esta referência à conclusão do julgamento, a 10 de maio de 2021, dos inspetores do SEF acusados do homicídio do ucraniano Ihor Homenyuk, a 12 de março de 2020.
De facto, se o crime era flagrante e as suas terríveis circunstâncias fáceis de investigar, a instrução e a acusação correram como devido, e a sentença foi proferida em prazo razoável. Estou à vontade para o salientar, dado ter sido o primeiro ou dos primeiros a escrever sobre a imprescindibilidade de uma ação rápida, exemplar, para punir os responsáveis por um crime tão hediondo, envergonhante para o País e ilustrativo das piores práticas que polícias às vezes se permitem, ficando impunes. E à vontade para sublinhar haver sido correto o Ministério Público substituir a acusação de homicídio qualificado pela de ofensa à integridade física qualificada agravada pela morte – com base na qual dois dos inspetores arguidos foram condenados a nove anos de prisão efetiva e o terceiro a sete anos.
De facto, não terá havido a intenção de matar. Só que há tratamentos tão cruéis e desumanos que não são menos graves do que matar com um tiro. Em muitos deles, aliás, como acontece nas ditaduras com os presos políticos, há até a preocupação de evitar a morte da vítima, porque o que se pretende dela é obter confissões e delações.
2 – Não era este, como se sabe, o caso de Ihor Homenyuk, só um homem só (a repetição é propositada) que desejava entrar em Portugal para ganhar a vida honestamente e mandar dinheiro para a família. Um trabalhador migrante, como os de Odemira, agora em foco por más razões. Não vou repetir o tanto que a tal propósito se tem escrito. Quero é lamentar a falta de qualidade, com os efeitos decorrentes, de muita da informação a tal respeito, em particular da transferência de dezenas desses trabalhadores para o Zmar. Qualidade da informação exige competência e rigor na descrição dos factos, apresentados dos vários ângulos pertinentes, que permita uma perceção global da realidade; exige não se ficar só pela superfície, mas tentar ir mais fundo, aos comos e porquês. O que uma vez mais, em geral, não aconteceu. Mas o que se sabe chega para cimentar a certeza de que o Estado português tem de fazer muito mais para proteger os trabalhadores migrantes e impor a todos o respeito pelos Direitos Humanos.
3 – A presidência portuguesa da UE está a ser, pelo menos, satisfatória e a cimeira do Porto correu bem. Inclusive quanto aos resultados, no que toca ao “compromisso social” alcançado. Isto, claro, atendendo ao “expectável”, e não ao ideal, ao que muitos de nós desejaríamos… Tema a precisar de muito mais espaço, como outro que desejaria tratar e uma vez mais adio: as “relações” entre Rui Rio e António Costa…
(Opinião publicada na VISÃO 1471 de 13 de maio)
