O Presidente da República (PR) promulgou as alterações a três decretos-leis do Governo, ampliando medidas de apoio social urgentes relacionadas com a pandemia, aprovadas no Parlamento por todos os grupos parlamentares, exceto o do PS. O Executivo pretendia que Marcelo as vetasse, por alegada violação do imperativo constitucional da “lei travão”, que impede o legislativo de aumentar as despesas, ou diminuir as receitas, previstas no Orçamento.
O Presidente promulgou-as, e fez bem. Sobretudo, fê-lo muito bem. Porque a fundamentação, não obstante o que se lhe possa opor, é lapidar na clareza de análise, no sentido de equilíbrio, na reveladora expressão de como Marcelo vê a atual situação política e a forma como nela deve (vai) atuar. É preciso ler tal fundamentação da primeira à última linha, nenhuma síntese poderá dizer tudo o que nela se diz, o rumo que traça ou indicia. Por isso, se estivesse na direção de um jornal em que tal fosse comportável, a publicaria na íntegra. Como, por exemplo, fizemos no Diário de Notícias com a primeira, e extensa, tomada de posição do episcopado português após, e sobre, o 25 de Abril, ou, aqui na VISÃO, com uma muito significativa carta de Carlos Brito ao PCP.
Garante ou afirma, a promulgação pelo PR, serem constitucionais aquelas alterações? Não. Sublinha é que só por si não o são: “Os diplomas podem ser aplicados, na medida em que respeitem os limites resultantes do Orçamento do Estado vigente”… Trata-se, claro, de uma posição com o seu quê de singularidade… “Criativa”, como a classificou António Costa? Também. O que não contraria, no entanto, o que atrás acentuei. A promulgação pelo PR, aliás, já se adivinhava, ao não suscitar a sua fiscalização preventiva por parte do Tribunal Constitucional (TC). E justifica-se ainda mais por o Governo poder suscitar a sua fiscalização sucessiva pelo mesmo TC.
Uma nota, lateral. Foi noticiado ter o Governo um parecer favorável à tese da inconstitucionalidade dos diplomas. Ora, além de esta coisa dos “pareceres” ter muito que se lhe diga e em geral ficarem muito caros (estou a lembrar-me do que sobre eles ouvi dizer ao grande advogado José de Azeredo Perdigão), creio-os particularmente inadequados, ou mesmo infelizes, sobre diplomas que vão ser apreciados por um constitucionalista como Marcelo Rebelo de Sousa…
A UE E OS ASSASSINOS DA BIRMÂNIA Ao golpe de Estado militar na Birmânia, após a Liga Nacional para a Democracia − liderada pela heroica Aung San Suu Kyi, Prémio Nobel da Paz − ter vencido as eleições com 80% dos votos, tem-se seguido, como esperado, a violentíssima repressão pela mesma casta de assassinos que durante décadas tiranizou e vitimou o seu povo. Sobre o tema, e em particular Aung, escrevi um longo texto no site da VISÃO. Aqui só posso apelar a que a União Europeia (UE) não só condene, como já fez, o golpe e os crimes, mas adote todas as sanções possíveis contra os criminosos − que devem ser julgados no Tribunal Penal Internacional. E que Portugal (que até teve aí uma presença histórica), agora na presidência da UE, tome todas as iniciativas necessárias nesse sentido.
(Opinião publicada na VISÃO 1465 de 31 de março)