Há uma lógica que, aparentemente, é quase irrefutável na sugestão sobre um novo imposto extraordinário (o tempo ensinou-me que é de uma terrível ingenuidade usar as palavras imposto e extraordinário na mesma frase, mas isso é para outra conversa) para financiar a terrível crise económica e financeira em que estamos mergulhados. Se há setores e profissões que não foram atingidos pela crise, não é natural que seja a esses que se deve pedir um mínimo de solidariedade na hora de repartir os custos em que outros setores e profissões foram forçados a incorrer em nome de um bem comum que foi o da nossa proteção coletiva? Mentiria se dissesse que não encontro aqui um evidente sentido de justiça.
O problema é que não podemos discutir este tema pressupondo que estamos perante uma folha em branco ou desconsiderando todas as demais alternativas.
Comecemos pela folha em branco que, de facto, não temos. Somos sempre muito lestos a virar-nos para as soluções de agravamento fiscal. Foi assim na Troika com o “aumento brutal de impostos” de Vítor Gaspar, foi assim com o “temos de perder a vergonha de ir buscar o dinheiro a quem o acumula”, e está-se a mesmo a ver que vai ser assim outra vez. Aliás, se é verdade que, estando acima da média, não estamos no topo da lista dos países com cargas fiscais mais elevadas da OCDE, não é menos verdade que, neste século, somos o quinto país com maior aumento de carga fiscal de entre estes. Pior só Coreia, México, Grécia e Colômbia. A nossa taxa marginal máxima de IRS já chegou, aliás, a uns extraordinários 48%, a que há ainda que somar uma (eternizada) taxa de solidariedade.
Talvez tenha chegado a altura de considerar alternativas. Talvez tenha chegado a altura de olhar para o outro lado da equação que é, naturalmente, a despesa do Estado, que pesa, só e mais nada, cerca de 50% do nosso PIB. Dir-se-á que esta é a pior altura possível para reduzir a despesa pública. Eu diria, filosoficamente, que depende, porque uma coisa é não deixar de atender a uma emergência económica e social, não hesitar em apoiar os setores, as empresas e as famílias, que mais sofreram com a crise, ou apoiar as crianças mais desfavorecidas, que ficaram para trás com o ensino não presencial, e outra coisa, de natureza bem diferente, é aumentar a despesa do Estado porque na Função Pública se passou a trabalhar 35 horas ou porque um ministro decidiu embarcar numa aventura sem fundo como a da TAP.
Uma coisa todos nós sabemos ou temos obrigação de saber, e que é até onde nos trouxe este modelo de desenvolvimento assente na voragem da despesa pública e no aumento da carga fiscal: há 20 anos que o nosso PIB per capita diverge da média europeia.
Está, pois, na altura de inverter os termos desta discussão. Está na altura de deixar de imaginar que se pode redistribuir, indefinidamente, crise após crise, riqueza que não se cria. Está na altura de perceber que não há respostas sociais que sejam sustentáveis a prazo sem criação de riqueza. Parafraseando as palavras imortais de Mariana Mortágua, está na altura de perder a vergonha e de começar a tomar decisões difíceis em relação à despesa improdutiva do Estado.
(Opinião publicada na VISÃO 1462 de 11 de março)