As acrescidas dificuldades e limitações à possibilidade de grupos de cidadãos apresentarem listas às eleições autárquicas, aprovadas no Parlamento por PS e PSD, não fazem nenhum sentido. E, a menos que tal se deva a fatores de outra ordem − como desatenção ou incompetência −, são um renovado sinal de que os partidos não desistiram de ter o monopólio ou o “controle” da intervenção política e cívica mais relevante.
Porque conheço bem a “questão”, não me admira muito. Pensei, no entanto, que hoje tal vontade, outrora expressa de forma bem mais explícita e radical, só impedisse de se avançar para novas formas de incentivar os cidadãos a intervir civicamente na vida coletiva, dentro dos partidos, claro, ou fora deles, conforme as opções de cada um. Ou seja: não pensei se pudesse traduzir também num retrocesso ao (relativamente) pouco conquistado − ao fim de muito tempo e não menos luta.
Não escondo que sempre estive nessa luta, como noutras lutas com o mesmo objetivo: aprofundar ou democratizar a democracia, torná-la mais participada, dar-lhe mais conteúdo e consistência. Foi também para isso que se fez o PRD. Formalizado como partido apenas porque se o não fosse a intervenção cívica e política dos “independentes” que o integraram era muito limitada, e eleitoralmente impossível. Assim, uma para nós prioritária iniciativa legislativa visava permitir a grupos de cidadãos concorrerem às eleições para as câmaras e assembleias municipais − sendo certo que sempre defendi também poderem fazê-lo para as legislativas. Fui primeiro autor e signatário desse projeto, que para ir a plenário nos obrigou a um agendamento potestativo. Na minha perspetiva era antidemocrático, constituía mesmo um escândalo, os cidadãos, até de um pequeno concelho, não poderem apresentar tais candidaturas.
A primeira reação dos outros partidos, sobretudo PSD e PS, foi que o projeto não podia ser admitido, por inconstitucional. Demonstrámos que não; e que até, a haver uma exigência tendencial decorrente da Constituição, seria em sentido contrário. O projeto foi discutido − e “chumbado” por todos (exceto, salvo erro, o MDP). E foi preciso passarem anos, haver na opinião pública um movimento cada vez mais forte a seu favor, para as listas de “independentes” serem admitidas. Embora com condições demasiado restritivas, que no início se pretendia fossem de tal ordem que seria mais fácil fazer um partido do que apresentá-las!
Concluo que, como jornalista-cidadão que sou e durante muitos anos com frequência escreveu sobre estas matérias, só posso desejar que PS e PSD recuem (como o PS terá admitido fazer) e facilitem, não impossibilitem ou dificultem, a intervenção cívica dos portugueses, sem necessidade da sua bandeira, autorização ou chancela. Recordo, aliás, que nas conclusões dos Estados Gerais para uma Nova Maioria, promovidos por António Guterres, então secretário-geral dos socialistas, se defende a possibilidade de listas de grupos de cidadãos não só para as eleições autárquicas como para as legislativas. Fazia bem ao PS, e a todos os democratas, (re)lerem essas conclusões, um excelente e atual documento político, com muito boas propostas por concretizar.
(Opinião publicada na VISÃO 1461 de 4 de março)