Perante a maior crise de sempre, a União Europeia demorou meses em negociações para montar a tão aguardada “bazuca” financeira, que permitirá injetar milhares de milhões de euros na economia dos seus 27 Estados-membros. Apesar de a situação ser de uma urgência nunca vista, as discussões foram infindáveis e, mesmo quando, após o acordo alcançado, muitos pensavam que o dinheiro iria começar a chegar… depressa se percebeu que era preciso esperar mais algum tempo até que se complete o moroso e tantas vezes complicado processo de aprovação interno em cada país.
Agora, perante a pressão das nações mais dependentes do turismo e que tentam a sua derradeira oportunidade para salvar o verão, a União Europeia anunciou que pretende mesmo avançar com uma espécie de passaporte sanitário que permitirá a circulação, sem obrigação de cumprir quarentenas, a todos os que tenham a vacina ou algum tipo de imunidade à Covid-19. A ideia já começou a ser aplicada em determinados países, como Israel, onde o chamado “passe verde” permite aos seus utilizadores terem acesso a salas de espetáculos, museus, além de atividades desportivas e de lazer, quase como num regresso ao que era a “vida normal” – embora com a obrigatoriedade de continuarem a usar máscaras.
Numa primeira reunião, para tentar obter um consenso entre os 27 líderes (divididos entre os que reconhecem a sua dependência das receitas turísticas e os que estão mais preocupados em não dar mais argumentos aos antivacinas), a UE anunciou que, no prazo de três meses, iria lançar as bases de um passaporte sanitário para o espaço europeu – embora António Costa prefira chamar-lhe um “certificado”. No entanto, numa reunião posterior, esse prazo foi encurtado para apenas um mês – numa tentativa contra o tempo para impedir aquilo que se tornará inevitável: a adoção de acordos bilaterais entre países, à revelia do quadro legal da União Europeia, como já está a acontecer entre a Grécia e o Reino Unido ou entre o Chipre e Israel, por exemplo, criando corredores turísticos que permitam encher hotéis e restaurantes com estrangeiros já vacinados.
O que tudo isto parece indicar é que, mais uma vez, a Europa se arrisca a dar um salto maior do que a perna – como já sucedeu com o processo de compra das vacinas, que começou por ser uma ideia boa e generosa mas que se transformou, depois, num caos em termos de distribuição e de ausência de poder negocial com quem as produz. A criação de um passaporte deste tipo, capaz de ser adotado por dezenas de países, é uma tarefa de grande complexidade que, ainda por cima, acarreta uma infindável lista de dúvidas sobre privacidade, controlo de dados e muitos dilemas éticos sobre a desigualdade – já que o acesso às vacinas não é igual para todos.
A União Europeia tem, seguramente, a melhor das intenções quando promete resolver tudo isto em tempo recorde, até porque existe no seu espaço massa crítica suficiente para a desenvolver. O problema, no entanto, é que acaba por promover, aos olhares do mundo, um teste em tempo real à sua gigantesca e lenta máquina burocrática – com o risco elevado de voltar a cair no ridículo.