Com o agravamento da situação causada pela Covid-19, parece ter-se proporcionalmente (ou mais…) agravado a onda de acusações ou insinuações de culpa dos governantes, dos titulares de cargos ou funções ligados ao combate à pandemia. Sem a preocupação sequer de as provarem, assim numa espécie de injusta, impensável, “responsabilidade objetiva”. Após um período inicial de generalizado sentido cívico do dever de cada um e todos unirem esforços face à situação vivida, já no verão do ano passado começou a verificar-se uma inversão dessa tendência, que nas últimas semanas atingiu o pico, como a pandemia. Em particular entre opinadores, e naqueles média que parecem “funcionar” numa simples lógica de mercado, que às vezes lhes sai ao contrário…, de sensacionalismo, mesmo quando em teoria a ele se opõem, e na senda das redes sociais.
Que houve erros, que importa analisar − e é legítimo criticar − porque Portugal chegou à situação a que chegou, é óbvio. O ponto está em críticas que não são críticas mas só ataques sem fundamento, partindo de premissas erradas, visando meros objetivos políticos ou pessoais. Por exemplo, é desonesto “julgar” opções e decisões não à luz do que se sabia ao tempo em que foram tomadas, mas após ver os seus resultados. E deve mudar de ramo quem comenta, opina, e não compreende que, havendo pontos de vista divergentes entre especialistas sobre o confinamento e sua extensão, quem governa escolhe a via que menos afeta a economia do País e a generalidade das pessoas.
Ora, muito do que se tem dito, mormente sobre a “abertura” verificada no Natal, tem a ver com o atrás sublinhado ou sugerido. E é quase do domínio do delírio, da negação da realidade e do simples bom senso, “condenar” em definitivo, diria que em termos políticos à pena de morte, o atual Governo, em especial o primeiro-ministro e a ministra da Saúde. E/ou defender uma “solução” governativa sem nenhum sentido, inviável e absurda.
Em simultâneo, por outro lado, até por parte de colaboradores de órgãos de comunicação respeitáveis, não faltam inverdades e ofensas que, além do resto, tornarão cada vez mais difícil trazer para cargos de responsabilidade pública cidadãos que neles bem precisos seriam. Mas, repare-se: os mesmos que condenam, atacam, sobretudo governantes e políticos, porque efetiva ou supostamente se enganaram, erraram, em matérias ainda tão desconhecidas, numa situação tão complexa, sujeitos a uma pressão de trabalho e psicológica tão desmesurada − podem, eles, enganar-se, errar, cometer graves injustiças, pronunciando-se tranquilamente só sobre o que querem, sentindo-se e ficando sempre impunes… Pois não me lembro de algum que tenha perdido a sua tribuna, ou a sua cátedra, por uma inverdade que disse, um erro que cometeu, um ataque infundado que fez.
Ora, se tem de ser uma prioridade evitar o crescimento do populismo/extremismo de direita, “antissistema”, a maior ameaça à democracia (no último JL, Jornal de Letras, há um excelente ensaio de Boaventura de Sousa Santos sobre o tema), muito disto que está a acontecer só a beneficia. Quando é indispensável combatê-la, como devem fazer de todos os políticos que prezam a democracia a todos os jornalistas que respeitam o ofício e têm consciência das suas responsabilidades.
(Opinião publicada na VISÃO 1459 de 17 de fevereiro)