É indesmentível que paira no ar uma sensação de fim de ciclo. Não há como escondê-lo. Por um lado, o Governo está visivelmente fragilizado pelos sucessivos casos envolvendo vários dos ministros mais próximos de António Costa. Eduardo Cabrita e Francisca Van Dunem são os dois casos mais paradigmáticos. Ambos se arrastam pelo executivo, sem qualquer autoridade política, desde os casos do assassinato no SEF e do procurador europeu. Por outro lado, e apesar de todo o spin, já não é possível ignorar que a gestão desta crise pandémica tem sido muitíssimo deficiente. Isso deixa expostos e enfraquecidos os ministros mais diretamente envolvidos neste esforço, como é o caso das ministras da Saúde e da Segurança Social.
Mas o que impressiona mais é a total incapacidade do executivo, e em particular do primeiro-ministro, em reconhecer estas fragilidades e estes erros, contribuindo para consolidar a imagem de um Governo descolado da realidade, acossado, muito fechado sobre si mesmo, incapaz de ouvir críticas e sem qualquer clarividência. Visivelmente à deriva.
O paradoxo é que, enquanto o Governo se esboroa à nossa frente, a oposição, e em particular a oposição à direita, está desaparecida em combate. O CDS é o que se sabe. Entretido em convulsões intestinas, caminha aceleradamente em direção à irrelevância. Mas a verdade é que Rui Rio parece também absolutamente perdido na sua estratégia de oposição. Ora se aproxima do PS, ora se deixa tentar pelo Chega, ora ensaia uma pose de estadista, ora lança umas graças no Twitter. Tudo sobejamente insuficiente para que o partido descole nas sondagens. Bem pelo contrário, o mais que se consegue é ter metade da direita a sonhar com o regresso messiânico de Passos Coelho.
Ora, como é evidente, este pântano, para usar uma expressão que ficou tristemente célebre, é perigosíssimo. E neste contexto começam a ouvir-se vozes, de vários quadrantes, a sugerir alternativas de governação (sejam elas governos de iniciativa presidencial ou de salvação nacional) e sobretudo a olhar para o PR, que saiu amplamente legitimado destas eleições, como uma solução milagrosa e imediata para o problema.
A tentação é compreensível. Mas estou absolutamente convencido de que pagaríamos cara, mais à frente, sob a forma de um crescimento dos extremos políticos, a ideia de mudar de Governo sem eleições. Num contexto de grande desespero e desencanto, num contexto em que uma franja expressiva do eleitorado não se sente representada, encontrar uma solução na secretaria seria, do meu ponto de vista, um erro tremendo.
Objetivamente, não me parece que existam condições para uma clarificação política antes das autárquicas e do orçamento. Mas isto não quer dizer que o PR deva meter na gaveta a sua legitimidade política reforçada. Os portugueses esperam aliás que aumente a sua vigilância sobre o executivo, como de resto ele próprio prometeu fazer. Porque é a voz com mais autoridade no atual xadrez político, porque atravessamos uma crise sem precedentes que reclama uma governação menos complacente, e porque é fundamental, mais à frente, que não se desaproveite a célebre bazuca europeia.
O PR é neste momento a mais saudável válvula de escape do regime. Tem de ser inteligente a gerir essa condição. Não se pode posicionar como alternativa de governação, mas também não pode continuar a funcionar como apoio acrítico do Governo.
É tempo de dar por terminado o Bloco Central Belém/São Bento.
(Opinião publicada na VISÃO 1458 de 11 de fevereiro)