Que os candidatos mais à direita foram os grandes vencedores de umas eleições presidenciais também marcadas pela queda, estrepitosa, da extrema-esquerda parece ser um facto de difícil contestação. Que se conclua que daí decorre uma vitória da direita, eis o que me parece uma profissão de fé exagerada. Confuso?
Reparemos, então, naquilo que julgo ser o grande facto político da noite: estamos a assistir a uma profunda reconfiguração da direita. Não falo, naturalmente, da vitória de Marcelo Rebelo de Sousa que, como triunfo de um espaço político de moderação, é muito mais significativa do que uma mera vitória da direita. Refiro-me ao expressivo crescimento da base de apoio de André Ventura e, em menor grau, à consolidação de um espaço político liberal que nunca verdadeiramente teve expressão relevante entre nós.
Admitindo que é lícita a extrapolação de resultados presidenciais para o contexto de umas legislativas (no caso do Chega, projeto unipessoal de Ventura, parece pacífico fazer essa leitura), os últimos resultados apontam, na ausência de qualquer reação inteligente, para a impossibilidade prática de a direita liberal chegar ao poder sem o apoio, ou pelo menos a condescendência, da extrema-direita.
Para o CDS, esta revolução pode bem ser o canto do cisne. Com boa parte do seu eleitorado mais conservador a deixar-se tentar pela boçalidade trauliteira do Chega e com as almas liberais a migrarem para uma Iniciativa Liberal que ganha foros de cidadania, o partido fica dono de coisa nenhuma, senhor em terra-de-ninguém.
Mas é obviamente ao PSD, partido com tradicional vocação de poder, que se coloca a questão dramática de saber como lidar com esta direita reconfigurada. É notório que Rui Rio tem sido equívoco em relação a um dilema que já se adivinha há muito. Quero acreditar que está longe de se rever na direita iliberal e oportunista que ficou, indubitavelmente, no lote dos vencedores da noite. Mas é inegável que se tem deixado condicionar e seduzir pela ideia, que muitos alimentam no seio do próprio partido, de que não deve combatê-la, ou sequer hostilizar, sob pena de afastar o PSD do poder, por muitos e bons anos.
O raciocínio é, a meu ver, uma derrotista confissão de fraqueza, embora possa, de facto, e na ausência de qualquer golpe de asa, transformar-se naquilo que os anglo-saxónicos costumam chamar uma “self-fulfilling prophecy”.
Mas não tem de ser assim. Sou dos que acreditam que há, apesar de tudo, alternativa a esta capitulação resignada da direita moderada. É que a recusa liminar, que já peca por tardia, de qualquer aliança futura com a direita iliberal teria um efeito prático imediato: tornaria evidente que um voto no Chega corresponderia sempre a um voto na ingovernabilidade. E é precisamente aqui que se coloca a questão da fraqueza. Se as cabeças mais tíbias dos nossos Chamberlain de trazer por casa veem na ameaça da ingovernabilidade um argumento para a capitulação, eu vejo nesse facto um empurrão para fomentar o voto útil no PSD, o que me parece o caminho mais curto para o levar, minimamente fiel aos seus princípios fundacionais, ao almejado poder. Até porque esta reiterada ausência de clarificação não deixará de continuar a afastar do partido o eleitorado moderado, indisponível para caucionar mais brincadeiras com o fogo.
O triunfo expressivo de Marcelo, enquanto inequívoca expressão do peso eleitoral do centro moderado, só ajuda a reforçar esta leitura.